Após 15 anos dentro do labirinto, A Origem prova que o pião nunca caiu
Nolan construiu o arquétipo do insondável como um último sonho antes do despertar.
Por LockDJ
Publicado em 10/04/2025 18:36
Entretenimento
A Origem mostra o cinema como campo de incepção (Foto: Reprodução)

Christopher Nolan entregou em A Origem uma experiência que se nega a ser decifrada de uma só vez. O filme, lançado em 2010, persiste como um experimento em forma de blockbuster: uma máquina narrativa que se retroalimenta, desafiando a lógica do tempo, da consciência e da percepção. Passados quinze anos, ainda é difícil assistir à obra sem cair no espelho que ela estilhaça.

 

No centro da trama está Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um extrator de segredos corporativos que atua durante o sono alheio. Ele é convidado para uma missão inversa: implantar uma ideia. O verbo inceptar — quase técnico, quase teológico — move o enredo para dentro de si mesmo. A tarefa, à primeira vista impossível, envolve múltiplas camadas de sonhos dentro de sonhos, cada uma com sua própria temporalidade, regras físicas e distorções subjetivas.

 

O elenco atua como peças de um jogo mental. Joseph Gordon-Levitt é Arthur, a âncora racional. Ellen Page, como Ariadne, constrói os labirintos oníricos e reconstrói o papel do arquiteto grego na travessia emocional de Cobb. Tom Hardy oferece Eames, cuja especialidade é a transmutação, dentro e fora dos papéis. Ken Watanabe encarna Saito, o instigador da missão, tão ambíguo quanto os cenários que atravessa. Marion Cotillard é Mal, a lembrança invasiva de uma mulher que talvez nunca tenha existido senão como culpa. A presença dela rompe qualquer noção de realidade estável: Mal é um espectro com peso de carne.

 

Os níveis do sonho operam como caixas de ressonância para os dilemas internos de Cobb. Cada fase mergulha mais fundo na psique, mas também mais longe da superfície lógica. A ação se torna uma coreografia de colisões: corredores que giram, gravidade que falha, cidades que se dobram. O surrealismo aqui não é decorativo. Ele funciona como linguagem. Cada dobra no espaço denuncia uma dobra no real.

 

A estrutura da narrativa é um labirinto cronológico. O tempo desacelera à medida que os personagens afundam nos sonhos, o que resulta num terceiro ato onde múltiplas ações ocorrem em velocidades diferentes — um truque técnico que tensiona a percepção do espectador. Tudo isso culmina num clímax suspenso, onde a resolução se torna uma escolha interpretativa.

 

O final permanece como um dos pontos mais discutidos da história recente do cinema. O pião gira. A câmera corta. Não se sabe se cai. Há quem veja ali um símbolo de libertação: Cobb escolhe não olhar. Outros enxergam uma prisão perfeita, um sonho dentro do qual ele escolhe permanecer. Nolan, como um arquiteto frio, se recusa a responder. Ele empurra o espectador para a última camada: a da dúvida.

 

"A Origem" opera como um palíndromo de ideias. Ela começa e termina no mesmo ponto, mas tudo o que veio no meio corrompe a ordem inicial. Há um conceito central que atravessa o filme e o espectador: a ideia de que uma crença suficientemente plantada se torna indistinguível da realidade. A ficção contamina o real. O sonho não termina quando acordamos.

 

 

Quinze anos depois, o filme não envelheceu; ele se expandiu. Cada revisão gera novos níveis de leitura. A trama permanece fechada por fora, mas aberta por dentro. Nolan não construiu uma história sobre sonhos. Ele plantou um sonho dentro do cinema. E deixou a porta entreaberta.

 

A realidade suspensa de Inception está disponível no catálogo da plataforma MAX.

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