A música que empilhou concreto sobre memórias humanas
"Build" surgiu como canteiro de obras sentimentais, em cidades construídas sobre esquecimentos
Por LockDJ
Publicado em 15/04/2025 19:39 • Atualizado 15/04/2025 19:41
Música
Construtores de Ideias, The Housemartins cantaram a arquitetura da Indiferença.

Num mundo onde a arquitetura serve mais à especulação do que à poesia, o grupo inglês The Housemartins ergueu, com “Build”, não apenas uma canção, mas um monumento sonoro ao desencanto urbano.

 

Lançada em meio às ruínas emocionais de uma banda que já respirava seu próprio epitáfio, “Build” chegou macia aos ouvidos — uma melodia quase romântica, embalada por teclas gentis e uma voz que parecia ter acabado de acordar de um sonho bom. Mas não se engane: por trás do acalanto instrumental, há um grito contido.

 

A letra é uma crítica direta — e elegantemente ácida — ao boom desenfreado da construção civil britânica dos anos 80. Prédios se amontoavam como blocos de Lego, empilhados sem alma, enquanto os moradores, suas histórias e saudades eram varridos como entulho. Não é só uma crítica a concreto e cimento: é uma elegia às memórias demolidas.

 

O videoclipe entrega tudo de forma simbólica: homens constroem, constroem, constroem... até que, no final, no muro recém-erguido, a inscrição gélida: R.I.P. The Housemartins. Fim de festa. Último brinde. O grupo se despede logo depois, deixando como herança um hino para quem já viu a vizinhança mudar sem ser consultado, para quem sabe que progresso, às vezes, é só destruição de terno.

 

Formados em Hull, cidade portuária com ares de subúrbio existencial, The Housemartins não queriam só tocar. Eles queriam dizer. E disseram: com ironia socialista, fé torta e coragem de quem sabe que música também pode ser manifesto. Entre 1983 e o fim prematuro, lançaram hits como “Caravan of Love” — sim, aquele cover a cappella que chegou ao número 1 como quem desafia as rádios a se emocionar com simplicidade.

 

Housemartins, significa “andorinha-de-casa” — ave migratória, breve, frágil. Nada mais justo. Passaram como um verão estranho e bonito, desses que a gente quase esquece… até ouvir “Build” de novo, e lembrar que por trás de cada prédio talvez exista alguém cantando baixinho, tentando reconstruir o que foi levado.

 

Comentários
Comentário enviado com sucesso!