"Because the Night" não nasceu pronta. Foi arrancada da noite por dois espíritos inquietos que dançavam em direções opostas: um deles, Bruce Springsteen, com seus punhos cerrados contra a melancolia americana; o outro, Patti Smith, poeta das ruínas, xamã urbana do CBGB.
Em 1977, enquanto Springsteen se afogava em ideias cruas para Darkness on the Edge of Town, esbarrou em uma melodia potente — mas que, para ele, soava apenas como mais “uma canção de amor”. Deixou o embrião da faixa repousar. Quem a despertou foi Jimmy Iovine, jovem produtor dividido entre duas gravações simultâneas: o disco tenso de Bruce e o renascimento artístico de Patti, no álbum Easter. No silêncio cortado pela ansiedade e cigarros do Hotel Navarro, ele propôs: “Bruce, deixe Patti terminar isso.”
Springsteen, generoso e cansado da canção inacabada, disse: “Se ela conseguir, é dela.” E foi.
Smith, então, não apenas finalizou — ela rebatizou. Transformou o rascunho num ritual. Colocou palavras que só poderiam sair da boca de alguém que viveu nos escombros, que leu Rimbaud e sobreviveu a 1977. “Love is a banquet on which we feed.” Não é amor banal. É febre. É sobrevivência. É noite.
Lançada como single em março de 1978, "Because the Night" levou Patti Smith, uma artista do underground, aos palcos iluminados do mainstream. Chegou ao Top 5 britânico, bateu na porta do Top 10 americano, e puxou consigo o disco Easter, que estourou além das fronteiras do punk. A canção virou um rito de passagem para quem ama a madrugada e seus mistérios.
E como tudo que toca fundo, a música se multiplicou.
Nos anos 1990, uma versão acústica da banda 10.000 Maniacs, gravada no MTV Unplugged, resgatou o espírito da faixa em tom etéreo, mais solar, mas ainda cheia de tensão. Ironia do tempo: essa versão, doce e devastadora, alcançou a posição mais alta nas paradas dos EUA. Mais sucesso que a original, mas com a mesma alma inquieta.
Because the Night continua a atravessar gerações. Tocou em trilhas sonoras, foi regravada por nomes diversos, ressurgiu em trailers da HBO como um sussurro vindo do passado. Mas o que mantém a canção viva não é sua posição nas paradas. É sua contradição permanente: escrita por alguém que não queria escrevê-la, completada por quem tinha tudo a dizer.
É sobre desejo e silêncio. Sobre perder-se na escuridão, mas também dançar dentro dela.
Springsteen a ignorou. Patti a abraçou. Juntos — sem querer — criaram uma das maiores faixas que o rock já pariu.
Porque a noite pertence aos amantes. Mas a música...
Essa pertence à eternidade.