“Antologia Acústica” ou: quando o apocalipse vira roda de violão
O disco é uma espécie de folklore futurista em voz baixa, com cheiro de incenso queimado e livro antigo.
Por LockDJ
Publicado em 01/05/2025 12:47 • Atualizado 01/05/2025 12:59
Música
Antologia Acústica vendeu mais de 750 mil cópias (Foto: Divulgação)

Lançado em 1997, Antologia Acústica é mais do que um disco comemorativo dos 20 anos de carreira de Zé Ramalho — é quase como se o próprio artista estivesse voltando à sua caverna nordestina para reencenar seus mitos pessoais com voz mais baixa, cordas de nylon e um olhar cansado, porém lírico sobre os rastros que deixou no caminho.

 

No embalo das estéticas desplugadas dos anos 90 (com MTV Unpluggeds pipocando de Nova York ao Capão Redondo), Zé não cede ao modismo — ele transmuta. Pega o apocalipse sertanejo de “Chão de Giz”, o existencialismo psicodélico de “Avôhai” e o cordel distópico de “Admirável Gado Novo” e os coloca em outro plano, onde o tempo anda devagar, como o som de uma cuíca num terreiro vazio ou o eco de um mantra sussurrado à beira do São Francisco.

 

O disco é uma espécie de folklore futurista em voz baixa. Tem cheiro de incenso queimado e de livro antigo. A produção aposta no essencial: voz, violões e intervenções discretas de flauta, percussão e bandolim, criando uma ambiência meio mística, meio barroca, em que cada acorde parece ter sido esculpido com as mãos sujas de barro e lira.

 

Zé soa como um xamã urbano em retiro — menos urgente, mais contemplativo. É o mesmo profeta que cantava o colapso dos sistemas e a manipulação das massas, mas agora sentado numa cadeira de balanço, recontando os mesmos contos em tom de lembrança. 

 

Em uma época de reedições plásticas e versões “unplugged” que só tiravam as guitarras da tomada, Antologia Acústica teve a ousadia de parecer um disco novo. É mais do que uma releitura — é um ritual de reconexão com o próprio espírito. Zé Ramalho não só relê suas faixas: ele as reencarna em outro corpo, outro tempo, outra frequência.

 

Com mais de 750 mil cópias vendidas e disco de platina triplo, Antologia Acústica provou que o Brasil profundo, feito de silêncio e metáforas, ainda tinha audiência. E mais: que o profeta nordestino da voz rouca continuava sussurrando verdades para quem ainda tem ouvidos além do ruído.

 

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