A canção “Negro Amor”, presente no álbum Tchau Radar, dos Engenheiros do Hawaii, de 1999, tem origem em “It’s All Over Now, Baby Blue”, composta por Bob Dylan e lançada em 1965 no disco Bringing It All Back Home. A versão brasileira foi feita por Caetano Veloso e Péricles Cavalcanti nos anos 1970, transportando a obra para um contexto linguístico e poético local, sem perder a essência da mensagem.
A música surge como um recado. Um adeus direto, uma ruptura que não permite retorno. A letra conduz o ouvinte por imagens que sugerem o fim de ciclos, o encerramento de relações e a necessidade de seguir sem olhar para trás. No registro dos Engenheiros, a interpretação ganha uma textura minimalista. A voz de Humberto Gessinger, acompanhada por violões secos, coloca ainda mais foco nas palavras, que ocupam o espaço da melodia como narrativa principal.
Ao longo da letra, há referências que transitam entre situações íntimas e movimentos sociais. A canção não nomeia um destinatário específico, mas direciona a fala a qualquer pessoa ou estrutura que se encontra no limite do colapso, do desgaste ou da transformação.
O título “Negro Amor” se afasta do sentido literal da versão original. A escolha traduz um conceito que aproxima amor e perda, desejo e fim, convivendo na mesma sentença. Não é apenas uma despedida de um relacionamento; é a despedida de um tempo, de uma forma de viver, de uma maneira de pensar o mundo.
Na interpretação dos Engenheiros, a música se encaixa dentro da estética que a banda construiu ao longo dos anos: narrativas sobre deslocamentos, desencontros e questionamentos sociais. A canção também reforça como as releituras podem dialogar com contextos locais, mantendo o DNA da composição original e, ao mesmo tempo, traduzindo para realidades distintas.
A versão, ao ser inserida no circuito da música brasileira dos anos 1990, encontra outro público, que talvez nem tivesse referência direta do Dylan dos anos 1960. Nesse deslocamento, a canção se reinventa, carrega o mesmo roteiro e entrega o mesmo recado: não há retorno, não há permanência, não há exceções. Só resta ir.