Os primeiros acordes de “Can’t Stand Me Now” ainda reverberam nos porões onde a poesia do caos encontra abrigo. A música, lançada em 2004, escancarou a briga pública e íntima de Pete Doherty e Carl Barât – um pacto de sangue que escorria pelos porões de Londres e pelos versos escritos no calor de noites insones.
Na virada do século, The Libertines virou símbolo de um revival do rock britânico. Num cenário que ainda ecoava os últimos suspiros do britpop, Pete e Carl surgiram como um antídoto para a assepsia sonora que tomava conta das paradas. Duas figuras que encarnaram a tradição da banda que não se contém, que não sabe onde termina a amizade e começa a ruína.
No palco, The Libertines carregava o DNA de ídolos mortos jovens e em discos baratos de vinil. Havia a sujeira poética de um Rimbaud perdido em Whitechapel, o sarcasmo de Ray Davies e a desconfiança de um John Cooper Clarke que saiu dos becos para cuspir nos microfones.
Mas “Can’t Stand Me Now” foi mais do que uma canção de separação. Foi a confissão de que a banda estava em guerra consigo mesma e, ao mesmo tempo, com tudo lá fora. Aquele riff que se repete como um mantra, a voz de Carl que parece cansada de tentar e a de Pete, flutuando entre a rendição e a promessa de que ainda havia algo a salvar.
Ao redor, a imprensa britânica mastigava cada briga como um novo capítulo de um romance sujo, tão sujo quanto os banheiros dos pubs onde eles surgiram. O romance de Pete com Kate Moss, as sessões de heroína, a prisão, a reconciliação no palco e a implosão fora dele. Era como se a banda fosse um filme inacabado, uma trilha de passos bêbados que terminava sempre em porta giratória.
Mais de vinte anos depois, The Libertines ainda existe como uma lembrança de que a música pode ser ao mesmo tempo camaradagem e veneno. Os discos tocam como cartas de amor e ódio, cada verso pingando promessas que nunca seriam cumpridas. Pete e Carl continuam em orbitas próprias, cruzando-se de vez em quando, como dois satélites condenados a girar em torno de um mesmo centro de gravidade – a música que os uniu e o caos que nunca os deixou.
Na memória coletiva, The Libertines não é apenas a banda que idealizou “Can’t Stand Me Now”, mas a lembrança de um tempo em que a rebeldia não era apenas uma pose. Um lembrete de que algumas histórias são boas demais para terminar bem.