Brian Wilson, mente criativa por trás dos Beach Boys, partiu aos 81 anos. Mais do que fundador de uma das bandas mais influentes do século XX, Wilson foi arquiteto de um som que desafiou a lógica pop e redesenhou os limites entre música popular e vanguarda. Sua obra não se restringe à Califórnia ensolarada de Surfin' U.S.A. ou California Girls. Seu legado está em como entendeu a harmonia, a estrutura, o ruído, o silêncio e o risco.
Com Pet Sounds (1966), Wilson criou uma cartografia emocional da juventude, mas em outra frequência — uma juventude já atravessada por dúvida, melancolia e um desejo profundo de transcendência. O disco, hoje considerado um divisor de águas na história da música ocidental, foi recebido com estranheza à época. Não era só um álbum de surf music. Era um manifesto íntimo, um experimento de som e alma.

Entre as faixas mais emblemáticas de sua carreira, Good Vibrations funciona como síntese de sua obsessão por camadas, cortes abruptos e montagens quase cinematográficas. Foi essa canção que encontrou um inesperado segundo lar na série Lost — não apenas como trilha sonora, mas como dispositivo narrativo.
No episódio final da terceira temporada, o personagem Charlie utiliza a melodia de Good Vibrations para destravar uma estação submarina chamada “Looking Glass”, usada para se comunicar com o mundo exterior. O som não serve apenas como nostalgia ou referência pop; ele é literalmente a senha. A música de Wilson, nascida na Califórnia dos anos 60, vira ponte entre dimensões — real e ficcional, terra e ilha, vida e sacrifício.

O uso da música em Lost é emblemático não por ser homenagem, mas por entender o que Wilson construiu: códigos emocionais capazes de atravessar o tempo e o espaço. Good Vibrations é uma composição meticulosamente montada, quase obsessiva, com cortes, sobreposições e mudanças de tom que flertam com o experimentalismo de Stockhausen e a estrutura de um curta-metragem em três minutos e meio.
A vida de Brian Wilson, marcada por colapsos, silêncios e períodos de reclusão, é inseparável de sua obra. E talvez por isso sua música tenha tanta densidade. O gênio das harmonias vocais também foi o homem atravessado por batalhas internas que ecoaram em suas produções.
Agora que sua voz se cala, o som que criou segue ressoando — nos discos, nas trilhas, nas estações fictícias submersas de uma série de TV e, sobretudo, na memória afetiva de gerações que aprenderam com ele que uma canção pode ser mais do que melodia: pode ser linguagem secreta, código de acesso, comunicação urgente entre mundos.
Wilson não fez só música. Ele sintonizou frequências que ninguém ouvia. E nos ensinou a escutar.