The The nunca foi exatamente uma banda. Foi (e ainda é) uma entidade sonora em constante mutação, girando em torno da mente paranoide, lírica e estranhamente desconfortável de Matt Johnson — um verdadeiro cartógrafo da angústia urbana britânica e suas distopias emocionais. Surgido no vácuo criativo do pós-punk inglês no final dos anos 70, o projeto se recusa, até hoje, a entrar em qualquer molde com nome e sobrenome.
Enquanto os contemporâneos arrumavam seus cabelos e ajustavam sintetizadores para surfar na estética new wave, Johnson descia para as vielas da psique, com um gravador de fita na mão e o olhar perdido nos anúncios de jornal. Burning Blue Soul (1981), seu quase-disfarçado debut solo, já era uma pedrada psicodélica que deixava claro: ali não tinha refrão de estádio nem refrigério pop — só camadas de ruído e desespero sussurrado. E quando o synth-pop começou a tomar forma no início da década, Soul Mining (1983) entregou um disco de pista torta, cheio de batidas eletrônicas e melancolia melódica, com This Is The Day funcionando como ironia perfeita ao otimismo new wave da época.
Johnson nunca teve banda fixa — teve cúmplices. Em Infected (1986), enfileirou colaborações com nomes que pareciam saídos de um dream team do underground: Neneh Cherry, Roli Mosimann (Swans), Anne Dudley (Art of Noise). O disco é um cruzamento entre o pós-industrial e a balada urbana, onde os loops não dão voltas no prazer, mas no tédio. É também um dos primeiros álbuns a ser lançado com clipes para todas as faixas — não por vaidade, mas por necessidade narrativa. Matt Johnson sempre quis que sua música soasse como cinema para o fim do mundo.
E aí veio Mind Bomb (1989). Um álbum que poderia muito bem ter sido gravado em um bunker. Com a entrada de Johnny Marr (ex-The Smiths), o som ganhou texturas de guitarra que flertavam com o rock messiânico — mas sem salvação no final. The Beat(en) Generation zombava de qualquer esperança geracional. E ainda tinha Sinéad O’Connor cantando como se lesse um salmo de trás do confessionário.
Dusk (1993) é talvez o último suspiro de coesão formal. É o espaço onde Johnson soa mais afetivamente devastado. Love Is Stronger Than Death é quase uma elegia pessoal. Já Dogs of Lust ecoa como se Leonard Cohen tivesse encarnado no corpo de um eletricista de Londres em crise existencial.
Mas como todo espírito irrequieto, Johnson não resistiu à sabotagem. Hanky Panky (1995), o álbum de covers de Hank Williams, é um movimento que só faz sentido se você entender que, para ele, tradição é só mais uma parede a ser demolida. Transformar hinos do country em murmúrios roqueiros lo-fi foi menos homenagem, mais sequestro estético.
E aí, o silêncio. Um hiato criativo longo, rompido só com NakedSelf (2000), quando o som volta a ser cru, sujo, quase uma gravação de confessionário feita com microfone emprestado. A urgência continua — mas agora sem verniz. E desde então, o The The se recusa a desaparecer, mas também não se obriga a existir.
The The nunca vendeu milhões como o Depeche Mode, nem virou mito de camiseta como o Joy Division. Mas em cada disco há um gesto de negação: ao mercado, à moda, à autoindulgência. E isso basta. Matt Johnson construiu uma discografia como se escreve um diário de guerra — sem dias felizes, mas com verdades nuas.
The The não é uma banda para playlists. É um lugar. Onde a beleza é sinônimo de desconforto. Onde cada nota parece pisada por um sapato molhado num beco sem saída. Onde o mundo é visto pelo retrovisor, mas ele está quebrado.