The Suburbs – Arcade Fire e a infância perdida entre os muros do progresso
O disco soa como se os Talking Heads tivessem lido Don DeLillo e depois se perdido entre ruas idênticas de um subúrbio texano.
Por LockDJ
Publicado em 22/06/2025 20:10 • Atualizado 22/06/2025 20:10
Música
A capa do álbum The Suburbs guarda histórias que não se contam mais (Foto: Divulgação)

Quando The Suburbs foi lançado, em 2010, Arcade Fire entregou mais que um álbum conceitual: revelou uma topografia emocional da infância confinada, do tempo escoado e da vida como repetição arquitetônica. O disco soa como se os Talking Heads tivessem lido Don DeLillo e depois se perdido entre ruas idênticas de um subúrbio texano.

 

Win Butler e Régine Chassagne compõem uma espécie de diário sonoro que não revisita o passado com saudosismo, mas o observa como quem caminha por uma cidade abandonada. Há ecos de White Noise em “Modern Man”, ruídos de alienação entre linhas melódicas que lembram os sintetizadores do New Order colidindo com guitarras que poderiam ter saído de um ensaio do Echo & the Bunnymen.

 

O título, The Suburbs, opera em chave dupla: é território e metáfora. As casas em série e os estacionamentos infinitos não são apenas cenários, mas também sintomas. Uma América de muros baixos e promessas elevadas, onde o tempo escorre pela calçada como as bicicletas de uma geração que nunca chegou a crescer de fato. Em “Suburban War”, a linha “This town’s so strange / they built it to change” parece escrita por um J.G. Ballard suburbano, que trocou os delírios distópicos por memórias deformadas.

 

Há, ao longo do álbum, uma dramaturgia do cotidiano industrializado, como se Perec tivesse deixado suas Espèces d'espaces em fita cassete para ser musicada pelo Arcade Fire. As canções constroem uma sequência não linear de imagens: jovens observando o crepúsculo entre trens, ruas desertas refletindo neons indecisos, uma sensação de que tudo está simultaneamente começando e terminando.

 

A capa, com um carro antigo diante de uma casa qualquer, poderia estar num conto de Raymond Carver. Mas o que parece imóvel guarda histórias que não se contam mais. “We Used to Wait” sintetiza a tensão de um tempo que perdeu o ritmo, onde não se espera mais cartas nem silêncios — só respostas instantâneas e bairros pré-fabricados.

 

The Suburbs é menos um álbum e mais um espelho sujo de uma geração educada para consumir, não para lembrar. Ao final, restam as ruínas de uma promessa, como se os Smiths tivessem feito as pazes com o mundo apenas para denunciá-lo de dentro. Arcade Fire constrói, então, uma missa suburbana para a infância que desapareceu sem dizer adeus — e que agora vive escondida atrás dos vidros fumês de SUVs parados no semáforo.

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