No circuito cult de Hollywood, poucas imagens sobreviveram ao tempo com a mesma força de River Phoenix: camiseta simples, olhar intenso, vulnerável e, ao mesmo tempo, cheio de promessa. Trinta e dois anos depois de sua morte, os testemunhos em torno do ator seguem lançando novas camadas de compreensão sobre quem ele foi — e quem poderia ter sido.
Laços que atravessam décadas
O relato recente de Martha Plimpton – primeira namorada de River e companheira de elenco em A Costa do Mosquito (1986) – recoloca a história no centro da conversa. Plimpton lembra de um adolescente “movido pelo amor”, desconcertado pelas contradições de Hollywood. Esse desconforto explica a busca dele por refúgios fora do radar. Um desses escapes era a amizade com Flea, baixista do Red Hot Chili Peppers.
River conheceu Flea em meados de 1990, num ensaio da banda em Los Angeles. A afinidade foi instantânea: veganismo, ativismo ambiental, paixão por música. Flea fez uma pequena participação em Garotos de Programa (1991), de Gus Van Sant, contracenando com o amigo. No palco, chegaram a dividir jam sessions improvisadas; nos bastidores, trocavam fitas de Neil Young.
Flea e River Phoenix dividiam músicas e histórias (Foto: Reprodução)
Foi Flea quem correu ao hospital naquela madrugada de 31 de outubro de 1993, depois de ajudar a tirar o ator desacordado da calçada em frente ao Viper Room, onde ele agonizava, consumido por uma overdose. São laços que ecoam cada vez que o baixista dedica “Under the Bridge” a River em shows do RHCP.
Conta Comigo (1986) — O rito de passagem definitivo
Irmão mais velho de Joakin Phoenix, River imortalizou o papel de Chris Chambers em Conta Comigo, adaptação de The Body, de Stephen King. O filme apresenta quatro garotos que atravessam trilhos de trem em busca de um cadáver: metáfora crua da perda da inocência em uma América que ainda olhava para trás, no fim dos anos 1950.
River Phoenix, de branco, brilhou em Conta Comigo (Foto: Reprodução)
A atuação de River é o centro moral do filme. Chris carrega as culpas de uma família disfuncional, mas sonha com novos horizontes. A amizade frágil com Gordie (Wil Wheaton) é a alma da narrativa: um pacto de cuidado mútuo antes da inevitável dispersão da vida adulta.
A trilha consagra essa aura: “Stand by Me”, de Ben E. King — escolhida por Rob Reiner para fechar créditos e secar olhos. A canção ressurge em maratonas de streaming e playlists nostálgicas, mantendo vivo o juramento “se precisar de um amigo, estarei aqui”.
Ícone fora do filme
Entre 1988 e 1993, River costurou personagens que reafirmaram sua inquietação: o skatista ativista de Sem Destino (1988), o garoto de circo de Uma Noite na Vida de Jimmy Reardon (1988), o hustler epiléptico de Garotos de Programa. Fora de cena, defendia causas ambientais, financiava campanhas vegetarianas e participava de protestos contra testes nucleares. Era visto como “estrela relutante”, mas sua própria relutância virou fascínio de uma geração — um tipo de autenticidade raramente associada ao estrelato.
A herança que insiste em ficar
Ao lembrar que River completaria 55 anos em 23 de agosto de 2025, o contraste é inevitável: o que ele deixou cabe em uma filmografia enxuta, porém ainda estudada em escolas de cinema. Sua imagem atravessou memes, zines, capas de vinil e linhas de camiseta, convertendo-se num totem para quem busca narrativas de sensibilidade masculina longe do cinismo.
Plimpton acredita que, se tivesse tempo, ele seria hoje um embaixador da sobriedade e do ativismo ecológico. Flea reforça essa noção sempre que fala do amigo: “River era feito de música sem fim”. Nas redes, fãs combinam o riff de “Higher Ground” com cenas de Chris Chambers — uma colagem que, de certo modo, devolve River ao trem em movimento, ainda atravessando a paisagem em busca de algo que só a amizade sabe nomear.
Onde ver
Conta Comigo está disponível na plataforma Max.
O Peso de um Passado (1988), que rendeu a River indicação ao Oscar, pode ser alugado na Prime Video por R$ 11,90.
A Costa do Mosquito faz parte do catálogo da plataforma Looke.
