Raul Seixas 80 anos ou: o calendário ainda não esqueceu
Dizem que foi lucidez demais, muita contradição, mas o Saramago esotérico de calça boca-de-sino não queria explicar nada.
Por LockDJ
Publicado em 28/06/2025 06:00
Música
Raul é aquele tipo de nome que não morre de velhice (Foto: Arte Rádio VB)

Raul Seixas faria 80 anos neste sábado, 28 de junho. Ponto. 

 

Raul é aquele tipo de nome que não morre de velhice. Morre de overdose simbólica. De excesso de lucidez. De contradição. E ainda assim segue acordando nos toca-discos, nos becos, nos ritos, nos perfis de Twitter que citam Sociedade Alternativa sem saber se é mantra ou ironia.

 

Dizem que era rock. Mas foi axé metafísico, baião cifrado, bolero de exílio. Um tropicalismo de terceira margem. Quando subiu no palco pela primeira vez, já trazia tatuado no peito o mapa do fim do mundo — escrito com as letras de Aleister Crowley e a grafia de um baiano que lia Burroughs como quem lê cordel.

 

A parceria com Paulo Coelho nunca foi só música. Era uma fábrica de delírios operando entre santos e demônios, escrevendo evangelhos apócrifos para as massas. Um Saramago esotérico de calça boca-de-sino. Uma psicografia coletiva do caos brasileiro.

 

Raul não queria explicar nada. Queria que entendesse quem precisasse. O resto era "conversa pra boi dormir". Porque enquanto o país marchava entre tanques, cuecas ideológicas e rádios censuradas, ele sussurrava que “preferia ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. E ninguém desmentiu.

 

A guitarra era só um meio. O fim era fazer pensar. Ou desprogramar. Ou só zoar — o que no fim dava no mesmo. Em cada faixa, uma sentença de vida: de Mosca na Sopa ao Carimbador Maluco, dos Mutantes à mosca do Interplanetário Delírio. Um tempo em que ser artista era caminhar no fio da navalha entre o deboche e o sagrado.

 

E ele sabia.

 

Hoje, Raul não precisa de busto. Nem de homenagem. Nem de trending topic. Ele já virou um tipo de entidade urbana, dessas que aparecem nos botecos e nas estantes empoeiradas de vinil. Raul virou um código. Uma senha de entrada. Um jeito de dizer que o Brasil ainda pulsa fora do script.

 

80 anos depois, ele ainda avisa: "Sonho que se sonha só... é só um sonho que se sonha só."


Mas tem gente que segue sonhando junto.

 

E é aí que mora o perigo.

 

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