Dado sessentão: o tempo da guitarra que pensava
Guitarrista construiu uma linguagem própria dentro da Legião Urbana, que, por definição, já operava à margem das fórmulas.
Por LockDJ
Publicado em 29/06/2025 06:00
Música
Dado Villa-Lobos celebra 60 anos de vida, entre notas e versos (Foto: Reprodução)

Não é preciso ser guitarrista para entender Dado Villa-Lobos. Basta ouvir. Ou melhor: basta perceber onde ele está — e, sobretudo, onde ele decide não estar.

 

Aos 60 anos, completados neste domingo, 29 de junho, Dado é um desses nomes que não se sustentam no volume ou na pirotecnia. Ele construiu uma linguagem própria dentro de uma banda que, por definição, já operava à margem das fórmulas: a Legião Urbana.

 

Era 1983, e ele entrou em silêncio — um garoto em formação, ainda aprendendo a tocar guitarra, substituindo Ico Ouro-Preto numa banda que já carregava um nome grande demais para o tempo que existia.

 

O que parecia um improviso virou sintaxe.

 

Dado não era um instrumentista de palco iluminado. Era, e sempre foi, um construtor de climas. Em meio ao caos urbano de Brasília dos anos 80 — com guitarras angulosas, gravadores de quatro canais, ditadura em frangalhos e meninos citando Camus no intervalo da escola — ele fez da guitarra uma espécie de narrador paralelo. Enquanto Renato Russo entregava as letras como quem faz confissão coletiva, era Dado quem costurava o espaço entre os versos, como se cada timbre precisasse respirar antes de dizer.

 

Suas linhas em Tempo Perdido e Índios não são riffs. São pausas estendidas do pensamento.

 

Na Legião, ele aprendeu tocando — e tocando, aprendeu a desaparecer quando a letra bastava. Uma forma de disciplina rara em tempos em que o virtuosismo costuma atropelar o sentido.

 

Com o tempo, Dado desenvolveu uma precisão que não está no número de notas, mas no silêncio entre elas. Um espírito pós-punk, onde a contenção é também declaração estética. Um pé em Echo & The Bunnymen, outro em Milton Nascimento, com delay na medida certa e acordes suspensos no lugar da certeza.

 

Depois da morte de Renato, em 1996, Dado não explodiu. Permaneceu. Lançou discos solo, produziu trilhas, ocupou outros papéis. Mas sempre como quem caminha nas bordas da cena, sem se perder do que importa. Porque, no fundo, ele sempre soube: a canção é mais importante que o guitarrista.

  

Em 2025, completar 60 anos não parece um marco de idade, mas de coerência. Dado é, há quatro décadas, o mesmo: alguém que entende que tocar guitarra é também ouvir o que vem depois.


E por isso continua sendo necessário.

 

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