Nascido em 6 de julho de 1907, a mexicana Frida Kahlo completaria mais um ciclo neste domingo. A data propõe revisitá-la sem filtro turístico, como quem encara um espelho rachado: cada segmento devolve dor crônica, militância, ritualidade indígena, desejo pelo impossível.
Pintura: autorretrato como manifesto
Frida pintou o próprio rosto como quem escreve diário político. Sob as pinceladas surgem unibrow, coluna fragmentada, padrões de cor que não pedem licença: azul cobalto da Casa Azul, ocre telúrico dos mercados, verde cardeal da herança pré-colombiana. Nada de escapismo – a tela vira cartaz, proclamação de corpo e território.
Dueto ácido com Diego Rivera
A relação com Diego Rivera funciona como mural portátil: ele expande escala nas paredes públicas, ela devolve intimidade microcirúrgica. Amor, rivalidade, lençóis compartilhados e traições cruzadas preenchem a conversa estética dos dois.
Enquanto Rivera injeta ideologia marxista em frascos gigantes, Frida concentra revolução em veneno botânico e vena aberta.
O cinema de Julie Taymor
A cineasta Julie Taymor — vinda do experimental de Across the Universe — recorta esses excessos em Frida (2002). Salma Hayek assume a protagonista sem heroificar; a câmera rasga a quarta parede, anima pinturas, entorta cores num trânsito que odeia realismo.
O elenco periférico (Alfred Molina como Rivera, Antonio Banderas como Siqueiros, Diego Luna como Trotsky-boy guardando a mala) gira em torno da figura de bordado e cicatriz. Taymor preserva contradição: Frida da festa regada a tequila, Frida da cama ortopédica, Frida que insere sangue menstrual na paleta.
Por que voltar hoje
Há quem busque versão mítica e fashion da pintora; há quem prefira testemunhar a fratura exposta entre espelho e tela. A efeméride de 6 de julho lembra que a obra permanece pulsando nas entrelinhas da cultura pop e da política de corpos. Ver um autorretrato dela ou rever o filme de Taymor é aceitar o convite à pergunta incômoda: que imagem de si você teria coragem de exibir ao mundo sem retoque?
Disponível na plataforma de streaming Paramount, o filme “Frida” mantém viva a combustão de Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, nome completo que insiste em não caber em moldura alguma.