“Namorinho de Portão” nasceu no olho do furacão tropicalista. Com sua típica combinação de crítica social, humor ácido e desobediência estética, Tom Zé gravou a canção originalmente em 1968, no disco Grande Liquidação. A música, como grande parte da obra do compositor baiano, é uma ironia vestida de inocência, uma observação suave à repressão moral e ao controle dos corpos – em especial dos jovens – na vida cotidiana da sociedade brasileira.
Com versos como "A vovó no tricô... Chacrinha, novela, o blusão do vovô. Aquele tempo bom que já passou", Tom Zé brinca com a sonoridade popular, mas costura um texto que trata do cerceamento da liberdade amorosa, da autoridade doméstica e da vigilância social. O portão, mais do que cenário, torna-se símbolo de limite – entre o público e o privado, o desejo e a moral, a juventude e o autoritarismo. A estética musical é simples, marcada por arranjos quase lúdicos e um ritmo que remete ao samba-de-roda e à tradição oral.
Já no fim dos anos 90, a banda Penélope, então em ascensão no cenário pop-rock brasileiro, resgatou “Namorinho de Portão” e deu à canção uma roupagem urbana e elétrica. A nova versão, presente no álbum Mi Casa, Su Casa (1999), insere guitarras distorcidas, batida pulsante e uma atitude mais insolente, quase punk, à narrativa de Tom Zé. A cantora Érika Martins assume os versos com uma energia adolescente, dando à canção o tom de protesto juvenil contra o controle patriarcal, agora não mais irônico, mas assertivo.
A regravação da Penélope dialoga diretamente com os anos 2000: tempo de revival da Tropicália, mas também de ascensão do feminismo jovem, das bandas independentes e do grito por autonomia dos corpos e afetos. Se na versão original o personagem parecia resignado ao controle materno, na releitura da Penélope há contestação e enfrentamento. O “namorinho” não é mais apenas um jogo simbólico entre inocência e repressão, mas uma afirmação de liberdade.
A escolha da banda por esse clássico, aliás, não foi aleatória. Regravar Tom Zé é sempre um ato de reinvenção e de resistência. E a banda, com sua pegada irreverente, conseguiu atualizar a mensagem da canção para um novo público, sem perder a raiz contestadora de sua origem tropicalista.