Nos anos finais da década de 1980, quando o pop eletrônico flertava com a pista e a ironia ainda era combustível criativo, o projeto canadense Kon Kan surgiu como uma espécie de laboratório sonoro. Com seu single mais famoso, I Beg Your Pardon, Barry Harris já havia mostrado como fundir sintetizadores, colagens e referências de jukebox em plena era pós-new wave. Mas é em faixas como “Harry Houdini” que a banda se projeta para além do hit radiofônico, criando uma narrativa que soa como uma metáfora da época: escapar das amarras culturais enquanto dançava-se ao ritmo das máquinas.
O nome evoca o mágico que transformou fuga em espetáculo, e não é por acaso. O final dos anos 80 pedia truques de sobrevivência diante da saturação do mercado musical e das mudanças na cultura midiática. O Kon Kan traduziu isso em arranjos que misturam techno-pop, pós-disco e ecos industriais, mantendo o lirismo escondido sob batidas sintéticas.
Ouvir Harry Houdini é revisitar um tempo em que a música pop ousava brincar com camadas de referências, entre a pista de dança e o comentário cultural.
Três décadas depois, a canção continua a ressoar como cápsula de uma era em que a fuga não era apenas performance, mas também desejo coletivo. O escapismo de Houdini se converte em linguagem musical: beats que se libertam do previsível, sintetizadores que ecoam como correntes sendo rompidas. E talvez essa seja a herança do Kon Kan: lembrar que até na pista de dança havia espaço para questionar, ironizar e, acima de tudo, escapar.