Há músicas que parecem rasgar a noite como quem atravessa um espelho. Rebellion (Lies), do Arcade Fire, é uma dessas faíscas que nasceram da escuridão para incendiar multidões. O refrão, repetido como mantra, soa como uma convocação contra o sono literal e a anestesia diária, essa que nos impede de enxergar o absurdo como absurdo. É o tipo de canção que coloca a juventude de qualquer época diante de um dilema: acordar ou fingir dormir.
O que torna essa faixa tão magnética é a tensão entre a cadência quase marcial da percussão e a melodia que parece expandir-se como uma procissão elétrica. Cada verso ecoa como se fosse escrito para ser gritado no meio da rua, num encontro entre liturgia e protesto. Há algo de ritualístico no modo como a música cresce, como se fosse o coro de uma cidade invisível que finalmente encontra voz.
E quando pensamos que se trata apenas de rock alternativo, nos damos conta de que Rebellion (Lies) é também um espelho de nossa própria condição cultural: sempre divididos entre acreditar no conforto das ilusões ou aceitar a rude claridade da vigília.
É nesse espaço de contradição que o Arcade Fire construiu um rito coletivo para além da música, capaz de transformar a mentira cotidiana em matéria-prima para um hino eterno.