Quarenta anos depois, Hounds of Love continua soando como se tivesse chegado ontem de um lugar onde o pop é laboratório e rito. Lançado em 16 de setembro de 1985, o álbum confirma Kate Bush como autora-total: ela produz, edita, esculpe vozes e texturas no Fairlight, abre mão de certezas industriais para fazer um disco que é, ao mesmo tempo, manifesto de independência e romance místico. Em plena era do excesso, Kate opta por outra sofisticação: a de transformar a canção pop em arquitetura afetiva e metafísica.
O disco é dividido em dois blocos: o lado “hit" (com “Running Up That Hill”, “Hounds of Love”, “The Big Sky”, “Cloudbusting”) e a suíte The Ninth Wave, travessia noturna de quem luta para permanecer à tona.
A faixa-título é o coração indócil do projeto: abre com o sample espectral “It’s in the trees! It’s coming!”, e acelera num galope de cordas e percussões que encena o pânico do amor como perseguição. “Do I ever let go?”, ela pergunta, e a música responde com o corpo inteiro, em saltos, assobios, respirações: arte-pop como corrida pela vida.
“Running Up That Hill (A Deal with God)” voltou a incendiar o mundo em 2022, quando a quarta temporada de Stranger Things a transformou em talismã dramático; a cena de Max contra o vazio virou memória coletiva, e a faixa ressurgiu nas paradas com uma força quase ritual.
O que os novos ouvintes descobriram (ou lembraram) é a precisão emocional da canção: a batida hipnótica, o mantra sobre trocar de lugar com quem se ama, a tensão entre desejo e destino. Não é nostalgia, é redescoberta de linguagem.
Celebrar quatro décadas de Hounds of Love é admitir que poucos discos mantêm essa liga entre invenção formal e urgência humana. Reouvi-lo hoje, do impacto imediato da faixa-título ao cinema sonoro de The Ninth Wave, é reencontrar um classicismo esquisito e luminoso, uma autora que recusa o óbvio e, ainda assim, escreve refrões para ficar.
Coloque o álbum para tocar à noite, sem pressa: quando os cães do amor começarem a farejar, você lembrará por que certas obras não envelhecem, elas apenas mudam de forma junto com a gente.