Anunciada pelo estúdio Xicoia, de Eline Van der Velden, Tilly Norwood é vendida como a primeira atriz 100% gerada por inteligência artificial, criada para atuar em cinema, séries, publicidade, redes sociais e até podcasts. O lançamento, oficializado no Festival de Cinema de Zurique, conquistou atenção de agências, e uma onda de críticas em Hollywood.
O embate lembra o enredo de Simone – A Mulher do Século (2002), sátira estrelada por Al Pacino sobre um produtor que usa uma atriz digital para “substituir” divas de carne e osso. (Obs.: o filme não está disponível, no momento, nos streamings brasileiros; pode, porém, voltar ao circuito por revezamento de licenças.)

O projeto: transformar um avatar em estrela
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Ambição declarada: “Queremos que Tilly seja a próxima Scarlett Johansson ou Natalie Portman”, diz Van der Velden.
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Posicionamento da criadora: a IA seria “novo pincel” — uma ferramenta artística, não uma ameaça; algo comparável a animação, marionetes ou CGI.
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Pacote técnico: aparência, personalidade e narrativa própria, capaz de “atuar” em múltiplos formatos e monetizar como talentos reais.
A controvérsia: direito de imagem, empregos e 2023 na memória
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Atrizes como Melissa Barrera, Kiersey Clemons, Mara Wilson e Whoopi Goldberg criticaram o movimento de agências cogitarem representar um avatar como uma “vantagem injusta” e potencial ataque a oportunidades para profissionais humanos.
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Ponto sensível: Tilly combina traços de centenas de mulheres reais; críticos questionam créditos e royalties para quem forneceu dados/semelhanças.
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Contexto histórico: a greve de roteiristas e atores de 2023 já exigia regras claras para IA; o caso Tilly evidencia zonas cinzentas ainda abertas.
O espelho de Simone: quando a ficção antecipa o dilema
No filme de Andrew Niccol, Al Pacino cria uma superestrela digital que conquista público e indústria, expondo a obsessão por controle, imagem e marketing. Duas décadas depois, Tilly desloca o debate do campo alegórico para o mercado real:
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Autoria e crédito: quem “atua” quando há um avatar? O roteirista? O diretor? A equipe de pós? O modelo de IA?
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Trabalho e remuneração: se um estúdio “escalonar” avatares, quais funções desaparecem ou se transformam?
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Transparência com o público: a audiência deve ser informada quando a “atriz” é sintética? Como rotular a performance?
“Tilly é uma obra de arte. Ela representa experimentação, não substituição”, afirma Van der Velden, defendendo que personagens de IA sejam avaliadas como um gênero próprio.
Entre inovação e salvaguardas: para onde vai a indústria?
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Caminho do meio: usar IA como complemento (dublês digitais, rejuvenescimento, captura de performance consentida) com acordos claros de uso de voz, imagem e dados.
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Regulação contratual: cláusulas de consentimento, escopo, duração, remuneração e revogação, além de marcação (watermark) em conteúdos sintéticos.
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Curadoria do público: transparência sobre o que é humano e o que é sintético pode moldar expectativas e evitar enganos.
Serviço (para o leitor cinéfilo)
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Simone – A Mulher do Século (2002): não está disponível hoje nas plataformas mais populares no Brasil, mas títulos entram e saem dos catálogos por revezamento de licenças. Vale verificar periodicamente se retorna.
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Debate em evolução: a adoção de avatares como Tilly dependerá de resposta sindical, normas de mercado e aceitação do público.
Veredito
Tilly Norwood é um experimento vistoso e controverso que reativa questões que Simone já dramatizava: quem cria, quem atua, quem lucra. A arte sempre absorveu novas ferramentas, e o desafio, agora, é garantir direitos e transparência para que a tecnologia não silencie as vozes humanas que dão sentido às histórias.