Zé Ramalho completa 76 anos nesta sexta-feira, 3 de outubro. A efeméride celebra um compositor que desatou, como poucos, os nós entre tradição popular e invenção pop. Desde o debut homônimo (1978), com “Avôhai”, até a verve crítica de “Admirável Gado Novo” (A Peleja do Diabo com o Dono do Céu, 1979), sua obra instalou no centro do rádio uma poesia de visões: o sertão como geografia mística, a política como fábula e o homem comum como protagonista de epopeias íntimas.
A assinatura está na mistura de repente e rock psicodélico, viola e guitarras, aboios que encontram baterias urbanas. É um Brasil de fronteira, entre feira e metrópole, que Zé articula com imagens proféticas, humor agreste e um falsete cortante.
Nos anos 1990, “Admirável Gado Novo” renasceu na trilha de O Rei do Gado, repondo o artista no topo e apresentando novas gerações ao seu léxico. Ao mesmo tempo, projetos de releitura (canta Raul, Bob Dylan, Beatles) mostraram um tradutor voraz: ele leva o mundo ao Nordeste e devolve o Nordeste ao mundo.
Há também a dimensão coletiva. O Grande Encontro (com Elba, Alceu e Geraldo) selou, em palco, uma ideia de Nordeste plural e moderno. E a caneta segue afiada, entre baladas apocalípticas, canções de estrada e declarações de amor que cheiram a terra molhada.
Aos 76, Zé Ramalho permanece farol. Prova de que a canção brasileira cresce quando escuta a memória oral, desafia os modismos e, sem pedir licença, inventa novas cartografias para o país cantar.