Google Analystic
László Krasznahorkai, vencedor do Nobel de Literatura, além do rótulo “apocalipse”
Prêmio recoloca a ficção centro-europeia no coração do debate atual e reconhece um dos estilistas mais radicais da contemporaneidade.
Por LockDJ
Publicado em 09/10/2025 10:11 • Atualizado 09/10/2025 10:17
Cultura
Escritor húngaro László Krasznahorkai é o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura 2025 (Foto: Divulgação)

Nesta quinta-feira, 9 de outubro de 2025, a Academia Sueca deu ao escritor húngaro László Krasznahorkai o Nobel de Literatura “por uma obra convincente e visionária que, em meio ao terror apocalíptico, reafirma o poder da arte”. Além da consagração tardia;, trata-se de um gesto crítico que recoloca a ficção centro-europeia no coração do debate atual e reconhece um dos estilistas mais radicais da contemporaneidade.


O escritor que escreve contra o relógio


Desde a estreia com Sátántangó (1985), Krasznahorkai vem montando um projeto literário que persegue o colapso, seja social, moral ou perceptivo, sem fazer dele espetáculo. Em suas páginas, a degradação não se move como cena, é um clima. Frases extensas, de fôlego quase hipnótico, arrastam o leitor por um fluxo que vai da observação microscópica à vertigem metafísica, “uma plasticidade quase infinita” de períodos que recusam o ponto final fácil.

Essa densidade rítmica ganhou fama mundial com a adaptação de Sátántangó por Béla Tarr, um épico de 439 minutos em preto e branco que transformou a ruína em coreografia visual. Não se trata de detalhe periférico, é imagem e prosa que se soldam. Onde o romance fixa lama, vento e espera, o filme avança em planos longos que testam o pacto humano com o tempo, um prolongamento cinematográfico da ética da frase do autor.


Entre a ordem e o caos: uma cartografia


Lido em sequência com A Melancolia da Resistência (1989), Guerra & Guerra (1999), Seiobo Down Below (2008) e O Regresso do Barão Wenckheim (2016), surge um mapa. São comunidades sitiadas por forças opacas, autoridades incapazes ou tirânicas, visionários charlatães que prometem redenção e indivíduos tragados por ideias fixas. A fórmula poderia ser pura negatividade, mas Krasznahorkai a atravessa com humor sombrio, grotesco e um lirismo de saturação. Um olhar que Susan Sontag chamou, com precisão, de o “mestre contemporâneo do apocalipse”.

Em A Melancolia…, um “espetáculo” misterioso irrompe numa cidade e desencadeia vandalismo, violência e um estado de exceção latente. Uma alegoria cristalina do pêndulo entre ordem e desordem que informa toda a sua obra. Já Seiobo desloca o eixo. É menos catástrofe social, mais contemplação estética, usando Nô japonês, arte sacra, artesãos e rituais, como se a forma da beleza fosse a última resistência possível. O estilo, aqui, “quase dispensa parágrafos”, com períodos que se derramam por páginas para capturar movimentos de atenção e silêncio. 


Para além da Hungria: uma épica do olhar


Embora enraizado na experiência húngara, Krasznahorkai é também um escritor de viagens interiores e exteriores. Seus livros posteriores absorvem paisagens do Leste Asiático, sobretudo China e Japão, fazendo da paciência estética uma política. Um olhar devagar torna-se ato de resistência. Essa inflexão, que críticos aproximam de uma voz épica centro-europeia com ecos de Kafka e Bernhard, ajuda a entender por que o Nobel sublinhou “a crença no valor duradouro da arte” justamente em tempos de ruído acelerado. 


Tradução como destino


Que essa prosa tenha atravessado línguas diz muito do seu magnetismo. O reconhecimento internacional não começou hoje, veio com o Man Booker International (2015) e se reforçou com o National Book Award de Tradução (2019) por Baron Wenckheim’s Homecoming. Não é mero currículo, é a prova de que a sua sintaxe radical encontra, na tradução, novas nervuras, e um público fiel.


O que ler, agora


Se você está chegando a Krasznahorkai pelo Nobel, três portas de entrada:

  • Sátántangó — para experimentar a gramática do colapso e entender a mística do “apocalipse” sem pirotecnia. Leia e, se possível, veja o filme: o diálogo entre as duas formas é parte da experiência.

  • A Melancolia da Resistência — parábola política densa e visionária sobre massas, medo e poder; leitura que ressoa em qualquer década.

  • Seiobo Down Below — o lado contemplativo: ensaios-romances sobre a fabricação da beleza e a atenção como ética.


O Nobel com destino certo


O prêmio ao escritor húngaro institucionaliza algo que a crítica independente vem dizendo há anos: a literatura de alto risco formal continua sendo uma ferramenta urgente para pensar o mundo. Em Krasznahorkai, a forma é ética, pois alongar a frase é alongar o olhar, suspender o ponto final é suspender o juízo fácil, e insistir na minúcia é recuperar o sentido do real quando tudo pede simplificação.


O Nobel de 2025, o primeiro para um húngaro desde Kertész (2002), premia uma maneira de ler (e ver) que desacelera o desastre e, nesse intervalo, permite que a arte respire.

Comentários
Comentário enviado com sucesso!