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Vinte e nove outonos sem Renato Russo
Uma escuta de luto e recomeço a partir de “Vinte e Nove”, do álbum O Descobrimento do Brasil (1993)
Por LockDJ
Publicado em 11/10/2025 06:00
Música
Renato Russo transformou todos os seus sentimentos em material público sem perder delicadeza (Foto: Divulgação)

Vinte e nove anos depois de 11 de outubro de 1996, a ausência de Renato Russo segue estranhamente presente. Ocupa rádios, timelines, salas de aula e um repertório afetivo que o Brasil aprendeu a cantar em coro.


Nesse calendário de saudade, “Vinte e Nove”, faixa que abre O Descobrimento do Brasil (1993), funciona como uma lente justa, confessional, ambígua, de bolso. A canção soa como diário rasgado e recomposto, um relato de crise e tentativa de reerguimento que espelha o próprio momento do artista no início dos anos 1990.


O Descobrimento do Brasil
é um disco de contrastes: solar na superfície, ferido por dentro. Entre o otimismo doméstico e a crítica social de “Perfeição”, “Vinte e Nove” ocupa o lugar do ajuste de contas íntimo. Sem precisar de grandiloquência, ela encena uma passagem pelo abismo, a queda, o diagnóstico, o pacto de continuar, com aquele tom falado-cantado que foi a assinatura de Renato. Literalmente confissão sem espetáculo.


A estrutura simples, quase folk, amplia o efeito de proximidade. Parece que ele está ali, na nossa sala, pedindo ao tempo mais uma chance.

A numerologia do título, que hoje dialoga com a data do luto, carrega um subtexto de ciclo. “Vinte e Nove” fala de atravessar a noite e reconhecer limites, de dependências, culpas, a tentação de romantizar o próprio caos. Ao mesmo tempo, acena para um recomeço possível, não heroico, feito de pequenos acordos com a realidade. Essa ambivalência é o coração da obra de Renato, o poeta que nomeia o desespero, mas recusa a pose do desiludido profissional.

Escutar “Vinte e Nove” em 2025 é reencontrar o Brasil que fomos e o que ainda somos. Talvez, vulneráveis, contraditórios, insistentes. É lembrar que Renato Russo transformou a experiência privada, amores, adoecimentos, recaídas, fé, em material público sem perder delicadeza.


Nesses vinte e nove outonos, a canção permanece como rito de passagem para quem já caiu e precisou aprender, devagar, a levantar.

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