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Dia de Nietzsche, o pensador que quis “filosofar a marteladas”
Entre o martelo e o eterno retorno, Nietzsche vislumbrou a vida como obra de arte, e ferida aberta.
Por LockDJ
Publicado em 15/10/2025 06:00
Cultura
Nietzsche não nos oferece um sistema, mas uma prova de esforço (Foto: Reprodução)

Friedrich Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844 e, 181 anos depois, continua a nos interpelar como se escrevesse ao pé do ouvido. Sua obra é uma caixa de ferramentas, e de dinamites. De O Nascimento da Tragédia (1872) às rajadas tardias de Crepúsculo dos Ídolos e O Anticristo (1888), ele desmonta crenças herdadas e propõe uma “reavaliação de todos os valores”.


No caminho, ergue conceitos imantados: apolíneo e dionisíaco; morte de Deus (um diagnóstico cultural, não um slogan); vontade de potência (força plástica da vida); eterno retorno (experimento ético radical: viver de modo que queiramos repetir). A forma importa tanto quanto as ideias: aforismos, ironias, lampejos, um estilo que pensa com o corpo e desconcerta com precisão cirúrgica.

Essa ferocidade intelectual conviveu com uma personalidade fraturada. Crises de saúde, solidões voluntárias, amores e amizades que se romperam (Wagner, Lou Salomé), o colapso em Turim (1889) e a manipulação póstuma de seus textos pela irmã, Elisabeth Förster-Nietzsche, que pavimentou leituras espúrias e usos políticos indevidos.


A crítica do século XX corrigiu a rota, e Nietzsche tornou-se eixo de tradições decisivas: existencialismo (Sartre), psicanálise (Freud leu nele um genealogista do desejo e do sintoma), filosofias da diferença (Deleuze), arqueologias do poder (Foucault) e uma literatura que o reconhece como parente próximo (Mann, Borges, Clarice).

O cinema e a ficção seguem mapeando o mito e o homem. “Quando Nietzsche Chorou” (romance de Irvin D. Yalom e adaptação cinematográfica; disponível no Facebook) encena um encontro hipotético entre Nietzsche e Breuer para discutir dor, desejo e liberdade. Anacrônico por método, funciona como porta de entrada sensível ao Nietzsche clínico, que trata o pensamento como sintoma e cura.


“Dias de Nietzsche em Turim” (2001, de Júlio Bressane; disponível no YouTube) opta por um retrato sensorial e contemplativo, habitando silêncios, cartas e gestos mínimos para encenar a vertigem que antecede o colapso. Um Nietzsche de luz oblíqua, menos tese, mais presença.

Para ler com proveito hoje: Assim Falou Zaratustra (o conto filosófico do “além-do-homem”), Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral (as chaves do método crítico), seguidos dos “panfletos” finais pela energia de sua escrita-martelo. Para ver: o díptico Yalom/Bressane acima. Dois prismas que, mesmo imperfeitos, aproximam a carne do personagem.


Nietzsche não nos oferece um sistema, mas uma prova de esforço. Viver sem muletas metafísicas, afirmar a vida com tudo o que ela tem de risco, dor e invenção. Em tempos de certezas fáceis, essa coragem continua sendo a sua ideia mais perigosa. E mais necessária.

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