Certas músicas que não pertencem só ao disco, mas ao ar, ao delírio coletivo, àquela zona nebulosa onde a fúria encontra a doçura. Vapor Barato, escrita por Jards Macalé e Waly Salomão, é uma dessas entidades sonoras. Na voz incendiária de Gal Costa e na interpretação visceral de Zeca Baleiro, somada à pulsação urbana da versão de O Rappa, a canção se transforma em corpo vivo, sempre prestes a explodir em alguma esquina da alma brasileira.
Gal carregava o fogo. Baleiro, a lâmina. O Rappa, o pulso das ruas. E todos eles, sem saber, sempre voltavam a Macalé, esse inventor de abismos que fazia da dissonância um abraço e do risco uma forma de ternura.
O canto de Vapor Barato nessas versões não é mero tributo, é a confirmação de que a obra de Macalé vibra em várias temperaturas, do sussurro ao grito, do torpor à vertigem.
Agora, com a partida de Jards Macalé aos 82 anos, essas interpretações ganham outra camada, a do adeus que não é despedida, mas continuidade.
Vapor Barato permanece queimando devagar, como brasa que teima em não se apagar. É Macalé soprando vida mesmo no silêncio, lembrando que a música nunca morre quando sabe arder.