Sessenta anos depois, Rubber Soul ainda soa como aquela porta que se abre sem aviso, e, quando você entra, percebe que o mundo já não é mais o mesmo. Lançado em 3 de dezembro de 1965, o sexto álbum dos Beatles marca o instante exato em que o quarteto abandona a caricatura de banda pop para mergulhar em um laboratório emocional, estético e existencial. É o disco onde a inocência despede-se em silêncio e a curiosidade assume o volante.
Com violões que parecem ter sido afinados na penumbra, harmonias cheias de fumaça e letras que abraçam o desconforto, Rubber Soul tem uma vibração de transição. Não é mais o rock limpinho dos primeiros anos, nem ainda a psicodelia escancarada que viria depois. É um meio-termo raro, uma espécie de zona de metamorfose em que canções como “Norwegian Wood” acendem fósforos na escuridão e “In My Life” transforma memória em arqueologia emocional. Há um charme quase artesanal no disco, como se cada faixa tivesse sido lixada à mão.
E talvez por isso ele continue vivo. Rubber Soul é um movimento interno, da banda e de quem escuta. É o momento em que os Beatles descobriram que crescer também podia ser groove, melancolia e reinvenção. E que a música, quando se permite dobrar como borracha, acaba encontrando formas que não passam com o tempo.
Sessenta anos depois, ainda é possível apertar o play de Rubber Soul como quem revisita um velho retrato que continua, teimosamente, mais novo do que nós.