No balanço percussivo de A Praieira, Chico Science transforma o litoral em rito e linguagem. A música não descreve apenas a praia, ela convoca seu espírito, suas contradições, o sol que queima e o vento que cura. Há algo de ritualístico na repetição das imagens, como se cada verso fosse uma maré voltando para lembrar que o corpo também é geografia instável.
Dentro da estética manguebeat, a praia deixa de ser cenário turístico e vira organismo vivo, atravessado por tensões, encontros e sobrevivências. Chico canta como quem observa o mundo de dentro da maresia: os fluxos, os afetos, as derivas de quem tenta pertencer sem se fixar. A canção pulsa entre o contemplativo e o insurgente, um lugar onde o sujeito se dissolve para se reencontrar
E, ao final, A Praieira se revela menos sobre o mar e mais sobre o movimento. Uma ode à impermanência, ao andarilho que retorna sempre ao mesmo ponto para descobrir que nada permanece igual. Como toda boa obra de Science, ela nos lembra que o litoral é também fronteira simbólica, um espaço onde a vida experimenta ser outra, ainda que por alguns minutos de música.