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Revisitamos "O Show de Truman" e o vazio do espetáculo
A arquitetura cenográfica — toda em tons pastel, subúrbios esterilizados e sorrisos programados — esconde uma engrenagem de controle.
Por LockDJ
Publicado em 22/07/2025 22:54 • Atualizado 22/07/2025 22:56
Entretenimento
Menos hiperativo, mais melancólico, Jim Carrey entrega um personagem com alma (Foto: Divulgação)

Em O Show de Truman (1998), Peter Weir transforma um argumento aparentemente inofensivo em uma parábola angustiante sobre a domesticação da realidade e o fetiche pela vigilância. O que começa como um exercício lúdico de ficção científica logo revela sua natureza distópica: Truman Burbank (Jim Carrey) é um ser humano reduzido a enredo, o protagonista involuntário de um reality show que nunca escolheu.

 

A arquitetura cenográfica — toda em tons pastel, subúrbios esterilizados e sorrisos programados — esconde uma engrenagem de controle. O cenário é uma espécie de prisão utópica, um zoológico onde a normalidade é encenada 24 horas por dia para consumo externo. Essa estética deliberadamente kitsch denuncia o artificialismo da vida como espetáculo. O diretor Christof (Ed Harris) é o demiurgo midiático, manipulador onisciente que justifica o sequestro ético em nome da audiência. Há ecos de Platão e Guy Debord, Orwell e Baudrillard, mas tudo suavizado pela embalagem hollywoodiana.

 

Jim Carrey entrega aqui uma performance de transição: menos hiperativo, mais melancólico, sua inocência gradualmente corroída pela dúvida reflete uma condição existencial contemporânea — estar vivo sob observação constante, sem saber ao certo onde termina a própria vontade e onde começa a narrativa alheia.

 

A tensão crescente não está no medo físico, mas no abismo moral: quem somos quando não há mais privacidade? O filme antecipa a cultura das redes sociais, o colapso da intimidade e o culto à transparência — tudo embrulhado no embrutecimento suave da televisão cotidiana.

 

A cena final — Truman diante da porta de saída, enquanto Christof tenta convencê-lo a permanecer — é uma das mais poderosas alegorias cinematográficas da liberdade como ruptura. Não há heroísmo, apenas a escolha silenciosa de quem percebe que, para existir, é preciso abandonar a plateia.

 

Se há um deslize, talvez esteja no tom conciliador. O filme evita o caos, prefere o gesto esperançoso. A crítica ao sistema é amortecida pela moral do indivíduo desperto. Mesmo assim, O Show de Truman permanece uma das mais afiadas reflexões sobre mídia, identidade e o pânico do real.


Nota: ⭐⭐⭐ 9,5/10

 

Um clássico silencioso, cuja potência crítica só aumenta com o tempo. Ideal para ser revisto em tempos de stories, algoritmos e identidades projetadas. Disponível na Netflix e Telecine. 

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