Depois de três tentativas claudicantes, a Marvel enfim entrega a adaptação que o Quarteto Fantástico merecia — e, de quebra, estreia com brilho a Fase 6 do MCU. Primeiros Passos, dirigido por Matt Shakman (WandaVision), é mais do que uma correção de rota: é um mergulho autoral, visualmente arrebatador e emocionalmente envolvente no que sempre deveria ter sido a "Primeira Família" da Casa das Ideias.
Com um visual retrofuturista que parece ter saído das páginas douradas dos quadrinhos de Jack Kirby, o longa acerta em cheio na atmosfera. A Terra-828, uma realidade paralela com alma utópica e design inspirado nas visões de futuro dos anos 1950 e 60, é uma criação estética relevante. A direção de arte, os figurinos e a fotografia constroem um universo coeso, que transita com segurança entre o nostálgico e o novo. Nada aqui parece genérico — e o sci-fi respira como raramente se viu no MCU.
A narrativa começa de forma direta, sem a velha cartilha da origem: o Quarteto já existe, é celebrado e funcional. O ponto de partida é íntimo: Sue Storm descobre que está grávida. A partir desse momento, o filme encontra seu coração e projeta a trama para algo maior, com a chegada da Surfista Prateada anunciando o apocalipse encarnado em Galactus — e aqui, sim, temos o gigante cósmico em toda sua glória visual, não uma nuvem despersonalizada.
O elenco principal brilha com naturalidade. Vanessa Kirby lidera com firmeza e profundidade como Sue, sendo o centro emocional da equipe. Pedro Pascal entrega um Reed Richards cerebral e contido, sem perder humanidade. Joseph Quinn surpreende como um Johnny Storm espirituoso e vulnerável, e Ebon Moss-Bachrach dá vida a um Ben Grimm doce, mais alma do que músculos. O tom familiar — de afeto, cumplicidade e pequenas fricções — é o fio que costura toda a experiência, com comicidade que brota organicamente das relações, sem quebras de tom ou piadas fora de hora.
O roteiro, mesmo assinado por quatro nomes, é coeso e tem ressonância emocional. A ameaça de Galactus não é apenas um espetáculo: está conectada ao destino da própria família, em especial a Sue. A Surfista Prateada, aqui interpretada com intensidade por Julia Garner, é um acerto narrativo e visual, abrindo espaço para leituras mais ricas do que nos quadrinhos originais.
Shakman também demonstra controle ao evitar excessos. As cenas de ação são pontuais, bem construídas, e com escala e estilo — a batalha final em Nova York, por exemplo, não recorre ao caos vazio habitual, mas funciona com clareza e impacto visual, inclusive em sua elegância coreográfica. A ameaça é real, mas não engole a humanidade dos personagens.
O filme ainda reserva homenagens discretas aos criadores — de Jack Kirby a Stan Lee — com direito à explicação do nome do universo (Terra-828, em referência ao nascimento de Kirby em 28/08). E há duas cenas pós-créditos: uma breve e intrigante logo após os créditos principais, e outra simpática e meta ao final, com direito a citação de Kirby.
Veredito:
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é um sopro de criatividade e elegância no universo Marvel. Com estética refinada, roteiro envolvente e personagens finalmente bem tratados, o filme entrega uma aventura à altura do legado do grupo. Uma estreia que, mais do que promissora, já é digna de aplausos.
Nota Rádio VB: ⭐⭐⭐⭐ 9,0/10