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"Qualquer coisa", mas não por acaso: 50 anos do álbum que revisita e desafia
A capa, com 4 retratos de Caetano em moldura quadriculada, remete a Let It Be e às serigrafias de Andy Warhol.
Por LockDJ
Publicado em 27/07/2025 06:00
Música
Quatro faces, um espelho pop: Caetano entre Beatles e Warhol (Foto: Divulgação)

Lançado em julho de 1975, Qualquer Coisa marca um momento peculiar da discografia de Caetano Veloso. Meio século depois, o álbum reverbera como um documento artístico que tensiona influências estrangeiras e deslocamentos internos. A capa, com quatro retratos de Caetano em moldura quadriculada, remete imediatamente a Let It Be, dos Beatles, e às serigrafias de Andy Warhol — pistas visuais que anunciam o jogo de apropriações e deslocamentos estéticos que o disco propõe.

O álbum se desdobra entre a releitura de três faixas do repertório beatle — "Eleanor Rigby", "For No One" e "Lady Madonna" — além de composições autorais que, mesmo quando parecem despretensiosas, revelam um esforço deliberado de tensionar expectativas.

 

A faixa-título, “Qualquer Coisa”, opera como síntese irônica da proposta do disco: entre o deboche e o desapego, Caetano desloca o sentido da canção para um lugar onde a superficialidade se converte em gesto estético. Já em “Jorge da Capadócia”, de Jorge Ben, a repetição ritualística e a levada percussiva ganham uma leitura contida, quase mântrica, sublinhando a espiritualidade discreta que atravessa o álbum.

Ao reinterpretar “Samba e Amor”, de Chico Buarque, Caetano parece sublinhar a melancolia como um dado estrutural da canção popular, reforçando o tom contemplativo que perpassa o conjunto da obra.

 

Com Qualquer Coisa, Caetano parece construir um comentário metamusical — um álbum que fala sobre fazer discos, sobre a forma da canção, sobre os símbolos pop. As versões dos Beatles não se limitam à homenagem: são recodificações feitas à maneira de um artista que, depois do exílio e das tensões políticas do início da década de 1970, parece colocar em xeque os próprios cânones que o formaram. 

Cinquenta anos depois, o disco continua a levantar questões sobre tradução cultural, experimentação e ironia — sem nunca oferecer respostas diretas. É esse movimento entre reverência, desvio e reinterpretação que garante ao álbum seu lugar particular na música brasileira. Qualquer Coisa não define um ponto de chegada, mas expande as possibilidades daquilo que pode ser dito — ou cantado — a partir do Brasil.

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