Google Analystic
Em Luta de Classes, Spike Lee encontra equilíbrio entre Kurosawa e Nova York
A trama coloca David King (Denzel Washington), magnata da música, diante de um dilema ético: pagar ou não o resgate de um sequestro cometido por engano
Por LockDJ
Publicado em 06/09/2025 12:36 • Atualizado 06/09/2025 12:36
Entretenimento
Denzel Washington vive David King, um magnata da música no novo filme de Spike Lee (Foto: Divulgação)

Spike Lee sempre foi um diretor de risco quando se trata de dialogar com clássicos. Sua versão de Oldboy (2013) naufragou ao tentar replicar a energia do original de Park Chan-wook, e She’s Gotta Have It já mostrava um afastamento das densidades filosóficas que marcam Kurosawa. Em Luta de Classes, disponível na Apple TV, Lee parece finalmente encontrar o ponto de conciliação: respeita o material de origem (Céu e Inferno, de Kurosawa, inspirado no romance King’s Ransom), mas o reconstrói dentro da sua própria linguagem cinematográfica, marcada pela cultura afro-americana, pela pulsação de Nova York e pelo olhar crítico sobre desigualdade social.

A trama coloca David King (Denzel Washington), magnata da música, diante de um dilema ético: pagar ou não o resgate de um sequestro cometido por engano, cujo alvo é o filho de seu motorista. O gesto simples de deslocar o conflito do Japão dos anos 1960 para a Nova York contemporânea gera um leque de novas camadas: a relação entre elites e periferias, a violência urbana e os códigos de solidariedade dentro das comunidades.

Além de filmar um thriller, Spike Lee examina como as hierarquias sociais moldam decisões e como até mesmo a união comunitária carrega tensões invisíveis.

Denzel Washington sustenta o filme como eixo central. Enquanto Mifune, no original, construía um personagem corroído pela dúvida, Washington encarna um King implacável, cuja convicção quase elimina a ambiguidade moral. Esse contraste é a força e, ao mesmo tempo, a limitação da obra: o personagem é magnético, mas menos vulnerável. Ainda assim, sua presença carrega carisma e energia suficientes para segurar momentos em que Lee força o tom, misturando ironia, espetáculo e crítica social.

Tecnicamente, Luta de Classes é um mosaico da assinatura de Spike Lee. O basquete, as referências culturais de Nova York, a música de Eddie Palmieri, a participação de Rosie Perez: tudo é incorporado como se a cidade fosse outro personagem. A trilha sonora sustenta a intensidade, embora por vezes se sobreponha aos diálogos, e o desfecho, embalado pela canção Highest 2 Lowest, sintetiza temas centrais, como poder, ética, família, em um clímax tanto político quanto emocional.

No conjunto, o filme é mais do que uma releitura de Kurosawa: é a reafirmação de que Spike Lee consegue transformar influências clássicas em material próprio, construindo um thriller urbano estilizado, crítico e envolvente. Se não é isento de excessos, é precisamente neles que se encontra o charme de um diretor que nunca se conforma com o óbvio.

Nota: ⭐ 8,5/10

Comentários
Comentário enviado com sucesso!