Paul Thomas Anderson volta mais pop, e paradoxalmente mais ácido, com Uma Batalha Após a Outra, aventura screwball de olhar político que pega carona no delírio contemporâneo. Tudo é urgente, tudo é ruído, e o herói é um ex-revolucionário cansado que mal consegue pôr ordem na própria queda.
Leonardo DiCaprio vive de Bob Ferguson um anti-protagonista de corpo desengonçado e paranoia latejante. A piada física e o melancólico convivem no mesmo plano, como se Vineland, de Pynchon, tivesse sido destilado em uma comédia de erros sobre paternidade e fracasso. O sequestro da filha é o gatilho, mas o filme cresce quando admite que o resgate é menos de uma pessoa do que de um passado que não volta.
A encenação é um presente para quem ama a mecânica do cinema. PTA filma perseguições como quem coreografa uma briga de bar entre ideologias, e os set-pieces são inventivos, cheios de mini-gags visuais que lembram o prazer físico do gesto cinematográfico, enquanto Michael Bauman, na fotografia em 35 mm/VistaVision, dá granulação, vento e peso ao mundo.
Em meio aos trancos, o diretor encontra tempo para fazer de Sean Penn um cão de caça tragicômico e de Benicio del Toro um sensei improvável, figuras que orbitam Bob como caricaturas que, de tão precisas, viram pessoas. O humor não “quebra” a seriedade, a revela.
O ouvido do filme é Jonny Greenwood, outra vez parceiro de PTA, que mistura cordas nervosas, percussão seca e lampejos de ondas Martenot para sustentar uma sensação de urgência e vertigem (o álbum, recém-lançado, confirma como a trilha funciona sozinha sem perder a cola dramática). A música amarra as mudanças de tom, do slapstick ao luto, e dá unidade a uma narrativa que abraça o excesso com método.
Se há tropeços, eles vêm do próprio apetite. A primeira meia hora testa a paciência, brincando de alongar piadas e preparar geografia até que o filme “encaixe” e encontre sua velocidade de cruzeiro. Método que pode gerar insatisfação, e não sem razão. Mas, quando arranca, a obra vira um comentário ferino sobre o “depois de ontem”: sobreviventes de causas rasgadas, projetos pessoais em ruínas e um país que trata política como espetáculo esportivo. O saldo é de rara energia e estranha ternura.
No conjunto, Uma Batalha Após a Outra é o título mais “divertido” da carreira de Anderson sem abrir mão de densidade. Entretenimento adulto que sabe rir do abismo enquanto mede sua profundidade. É cinema que respira por todos os poros: atuação, mise-en-scène e música conspiram para um retrato do agora, hilário e inquieto. Se vai ser “filme do ano” é discussão para depois. Agora, que é um dos mais vivos, isso é inegável.
Uma bala de prata de PTA: caótica, engraçada, politizada e musicalmente hipnótica.
Nota Rádio VB: ⭐⭐⭐⭐ 9,0/10