Lançado em 5 de outubro de 1962, Dr. No é o filme de estreia da saga 007, um manifesto de estilo que apresentou para o mundo o sofisticado james Bond. O longa é marcado por abertura emblemática, música marcante, vilão excêntrico e um agente que salva o mundo sem amarrotar o terno.
Com orçamento modesto para a época, o longa de Terence Young transformou o então quase desconhecido Sean Connery em estrela global e inaugurou um vocabulário de franquia, a partir da Jamaica, do laboratório futurista do vilão e da aparição mítica de Ursula Andress como Honey Ryder.
Por trás da mitologia, estão os romances de Ian Fleming. Ex-oficial da Inteligência Naval britânica na 2ª Guerra, Fleming destilou na literatura seu fascínio por viagens, marcas, gastronomia e a psicologia do poder. Começou com Casino Royale (1953) e, em seguida, publicou Dr. No (1958), já com muitos elementos que o cinema adotaria: o cenário caribenho, o agente britânico que investiga a morte de um colega em Kingston, o auxílio de Quarrel e um antagonista cientista, frio e megalômano.
O estilo de Fleming, com frases diretas, sensualidade, fetiche por detalhes técnicos, deu aos filmes um “manual de textura” que vai do cigarro ao coquetel, do relógio ao revólver.
A adaptação para o cinema mantém a espinha dorsal e ajusta o resto para o impacto audiovisual. O Dr. No do filme, afiliado a uma organização internacional e instalado em Crab Key, sabota lançamentos de foguetes com tecnologia radioativa. Suas mãos mecânicas sintetizam a mistura de pulp e futurismo que viraria marca registrada da série. Curiosamente, ainda não é o 007 dos gadgets sem-fim: a engenhosidade é mais de atitude do que de apetrechos, e o charme de Connery funciona como “dispositivo” narrativo por si só.
Como cinema, Dr. No define a cadência que renderia décadas. Vilões mirabolantes, canções-tema, o flerte constante entre luxo e violência, e uma fantasia geopolítica que transforma a ansiedade da Guerra Fria em entretenimento pop. Como herança literária, cristaliza a visão de Fleming, sedutora e controversa, sobre masculinidade, império e consumo. Rever, hoje, é ver nascer, tijolo por tijolo, a gramática de um dos mitos audiovisuais do século XX.
Onde assistir: disponível para assinantes do Prime Video.