Cinco anos após a morte de Eddie Van Halen (6 de outubro de 2020), a sensação é de que parte do léxico do rock foi criada por ele. Não apenas um virtuose, e isso já bastaria, Eddie foi arquiteto de linguagem: desenhou timbres, ergonomias e jeitos de tocar que redefiniram o instrumento. O tapping a duas mãos, que ele ajudou a popularizar em escala mundial, foi além de um truque veloz, virou gramática.
Em “Eruption” (1978), o solo parece abrir um portal, com arpejos relâmpago, harmônicos pinçados, alavancadas que não desafinam graças ao conjunto de soluções que ele burilou. Ponte travada, nut com trava, microafinações. Com Eddie, a técnica servia à ideia musical, a pirotecnia vinha depois.
Parte do mito é sonoro. O chamado brown sound, saturação quente, articulada, com ataque elástico, nasceu de experimentos quase artesanais, como a Frankenstrat montada por ele, combinações inusitadas de captadores, voltagens e válvulas no talo. Décadas depois, sua obsessão virou linha de amplificadores (5150/EVH) que moldou gravações do hard e do metal no mundo inteiro. A influência é transversal, de Nuno Bettencourt a Dimebag Darrell, de Steve Vai a Tom Morello, há sempre algum rastro de EVH, no vibrato generoso, no senso de swing do riff, na ousadia de timbre.
Mas Eddie não era somente solo. Era um ritmista monstruoso, com groove de banda de bar e precisão de estúdio. Os riffs de “Unchained”, “Ain’t Talkin’ ’Bout Love” e “Panama” mostram a mão direita afiada que conversa com a bateria de Alex Van Halen em síncopes quase dançantes. Essa corporalidade, rock que mexe o corpo, explica por que o Van Halen soava pesado e popular. Em 1984, quando empurra o teclado à frente em “Jump”, Eddie prova que melodia, ritmo e timbre valem mais que rótulo: foi para o topo das paradas sem pedir desculpas à patrulha do “guitarrista não toca synth”.
Outro capítulo essencial do seu impacto cultural é a ponte com o mainstream global. Em “Beat It”, de Michael Jackson, Eddie entrega um solo histórico em meio minuto, sem cobrar cachê, reorganizando fronteiras entre pop e hard rock. A partir dali, a guitarra virtuose entra no prime time das rádios, dos clipes e dos estádios, abrindo temporada para a avalanche de shredders dos anos 80, muitos sem a musicalidade de EVH, mas todos em seu raio de influência.
Também houve eras dentro do próprio Van Halen: o ímpeto juvenil com David Lee Roth (o álbum de estreia de 1978 é um manifesto), a fase Sammy Hagar com melodias largas e baladas grandiosas (“Why Can’t This Be Love”, “Dreams”), e um final de trajetória que, entre idas e vindas, manteve Eddie como norte estético da banda. Em cada momento, a assinatura estava lá: economia de notas quando a canção pedia e fúria atlética quando a música pedia outro movimento.
Cinco anos sem Eddie não significam cinco anos sem sua arte. A guitarra segue conjugando opostos, com disciplina de relojoeiro e espírito de criança, laboratório e garagem, técnica e sorriso. No fundo, é isso que sua obra nos lembra. A inovação de verdade não é um catálogo de truques, mas a coragem de reimaginar o instrumento, e, por tabela, o próprio rock. Eddie Van Halen não tocava apenas rápido, ele tocava novo. E continua nos ensinando a fazer o mesmo.