“A vida é tão curta, e a arte é tão longa.” A frase de Maria de Lourdes Castro Pontes, a Miss Cyclone da cena modernista nascente, atravessa um século para encontrar eco em Cyclone, longa que chega aos cinemas no mês que vem. Aos 19 anos, a jovem autora morreu em decorrência de um aborto, depois de ver o próprio manuscrito perdido por Oswald de Andrade, com quem se relacionou e de quem engravidou.
“Ela foi tolhida muitas vezes”, diz Luiza Mariani (45), que protagoniza e produz o filme. “Minha homenagem é ser fiel ao espírito dela e ao sonho de manifestar potência, criatividade e sexualidade.”
Dirigido por Flavia Castro, o filme adota um gesto de ficção para recuperar o que a história calou: na tela, Cyclone surge como dramaturga contemplada com uma bolsa para estudar teatro em Paris; ao descobrir a gravidez, enfrentará o cerceamento do próprio corpo como obstáculo à criação e à vida pública. O dispositivo, um jogo entre real e imaginado, não busca absolver o passado, mas dar forma ao destino que poderia ter sido. “É sobre a vida que ela poderia ter tido”, resume Luiza.
O elenco reúne Eduardo Moscovis, Karine Teles e Luciana Paes, esta última define Mariani como “profunda e intensa… uma Cyclone que não perde a curiosidade nunca”.
Depois da estreia no Festival do Rio, a produção integra a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (a partir do dia 16). Encerrada a turnê de lançamento, Mariani mergulha em outra personagem disruptiva: ela viverá Marina Lima em um longa previsto para ser rodado no ano que vem. “Num mundo com pouca espontaneidade e liberdade, interpretar alguém como ela, peituda, corajosa, desbravadora, é urgente”, diz.
Em Cyclone, o cinema faz o que a literatura de Miss Cyclone não pôde: existir. E, existindo, lembrar que algumas vidas podem ser breves, mas as vozes que elas acendem continuam soprando.