Quando Pulp Fiction estreou em outubro de 1994, o cinema comercial parecia ter esquecido como ser perigoso. Quentin Tarantino, então um ex-atendente de locadora com uma cinefilia quase obsessiva, resgatou essa energia com um filme que desafiava qualquer linearidade, hierarquia ou convenção narrativa. 31 anos depois, o longa continua sendo um ritual obrigatório, uma aula de montagem, roteiro e estilo que envelheceu com insolência e frescor.
A trama que ignora o tempo
Em vez de uma história tradicional, Tarantino oferece três linhas narrativas que se cruzam e se embaralham. Dois assassinos de aluguel (John Travolta e Samuel L. Jackson), uma esposa entediada de gângster (Uma Thurman) e um boxeador trapaceiro (Bruce Willis). O diretor costura esses mundos com uma estrutura não linear e cortes elípticos que, à época, soaram como uma revolução, e ainda hoje influenciam desde séries de TV até videoclipes.
A genialidade está na fluidez. Cada cena é uma unidade autônoma de prazer estético. Tarantino cria diálogos que parecem banais, mas escondem filosofia e tensão. É o cinema transformando o trivial, uma conversa sobre hambúrgueres ou milagres bíblicos, em arte pop.
O poder dos personagens e dos diálogos
O discurso de Jules Winnfield (Samuel L. Jackson) citando o livro de Ezequiel 25:17 virou parte da cultura pop mundial. Sua performance, oscilando entre o místico e o insano, é um monumento de carisma e cadência. Jackson transforma a Bíblia em manifesto existencial.
E, claro, há o “Royale with Cheese”, o diálogo mais prosaico e genial do cinema moderno, quando Vincent Vega (Travolta) explica as diferenças culturais de um hambúrguer entre os Estados Unidos e a Europa. É ali que Tarantino revela seu dom: dar importância quase sagrada às pequenas conversas do cotidiano.
Travolta, Thurman e a dança que parou o tempo
A emblemática sequência da dança entre John Travolta e Uma Thurman, ao som de “You Never Can Tell”, de Chuck Berry, é pura alquimia cinematográfica.

Travolta, ressuscitado do ostracismo, redescobre o corpo como instrumento narrativo. Thurman, enigmática e magnética, redefine o conceito de “cool”. A cena é tão espontânea e simbólica que resume o espírito de Pulp Fiction: o absurdo transformado em elegância.
Técnica, trilha e legado
A edição de Sally Menke, fiel parceira de Tarantino, é o esqueleto do filme: ágil, precisa e imprevisível. O roteiro, vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original, mistura humor negro, violência gráfica e referências à cultura B com maestria. Já a trilha sonora, costurada com surf rock, soul e blues, é um personagem à parte. “Misirlou”, de Dick Dale, ainda dispara corações na primeira batida.

Pulp Fiction hoje
Três décadas depois, o filme se mantém como um totem cultural, citado, parodiado e estudado. Sua influência pode ser rastreada em diretores como Guy Ritchie, Martin McDonagh, the Coen brothers e até em séries como Breaking Bad. É o tipo de obra que atravessa gerações porque combina técnica com identidade, e um senso de humor que desafia o politicamente correto sem perder profundidade.
Por que rever hoje:
Rever Pulp Fiction é revisitar um ponto de virada, um lembrete de que o cinema pode ser brutal e belo, pop e filosófico, violento e engraçado. É uma experiência que continua pulsando com a mesma vitalidade de 1994.
Disponível no Paramount+ e Mercado Play.
Coloque o volume alto, prepare um milk-shake de cinco dólares e aprecie o caos dançando ao som de Chuck Berry.