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Remake de Vale Tudo destruiu o mito que prometia homenagear
Não se trata de saudosismo, nem de comparar elencos, o fracasso da versão de Manuela Dias é conceitual narrativo e direção.
Por LockDJ
Publicado em 19/10/2025 16:58 • Atualizado 19/10/2025 17:00
Entretenimento
Cena classíca da morte de Odete Roitman em duas versões (Foto: Divulgação)

Refazer Vale Tudo é mexer num dos pilares da teledramaturgia brasileira e, portanto, exige não apenas coragem, mas precisão, profundidade e respeito à arquitetura moral de 1988. A nova versão de Manuela Dias fracassou exatamente aí, quando tenta modernizar sem entender o espírito original. Em vez de atualizar o debate sobre ética e corrupção, transforma o clássico num folhetim apressado, frouxo e sem densidade dramática.

A história original foi desvirtuada. Personagens emblemáticos perderam suas essências, especialmente Raquel Accioli, que, na trama original, sustentava o eixo moral e narrativo da novela. Aqui, mesmo com o empenho visível de Thaís Araújo, a personagem se tornou periférica, uma coadjuvante da própria história.


A Raquel de 2025 carece de propósito, sendo engolida por núcleos secundários e situações redundantes. O que antes era uma jornada de dignidade e superação virou um arco sem consistência, pontuado por diálogos vazios e soluções fáceis.


Texto fraco e narrativa irregular


O texto de Manuela Dias oscila entre o melodrama didático e a caricatura. Faltou coesão, cadência e argumento sólido. As tramas se resolveram com pressa, e as relações, que em 1988 eram sustentadas por camadas morais e conflitos internos, foram reduzidas a falas expositivas. O Ivan Meireles, um dos pilares da versão original, se tornou um figurante de luxo, com trajetória esvaziada. A novela pareceu correr atrás de seu próprio rastro, como se tivesse pressa para encerrar o que nunca chegou a começar direito.

pontas soltas por todos os lados, personagens que somem sem explicação, arcos interrompidos e diálogos que se contradizem. O resultado é um texto irregular, incapaz de construir o senso de continuidade e tensão que definem uma boa dramaturgia.

O capítulo final: um desastre televisivo


Se o desenvolvimento já era frágil, o último capítulo foi um show de horrores narrativos. A escolha de ressuscitar Odete Roitman, uma das mortes mais emblemáticas da história da TV brasileira, foi um ato de puro fan service, gratuito e mal executado.

É claro que uma licença poética poderia ter funcionado, se houvesse estrutura, construção, lógica interna. Mas não: Manuela Dias optou pelo absurdo. A explicação de que Odete sobreviveu a um tiro no peito, permaneceu imóvel por horas até que médicos improvisados a operassem num celeiro insalubre é, no mínimo, um insulto à inteligência do público. Ignora qualquer coerência física, narrativa ou emocional. É impossível acreditar que alguém, ferida daquele modo, preferisse forjar morte e fugas em vez de buscar socorro. Roteiro preguiçoso, visão precária de agumento e decisão frágil do núcleo criativo. Resolução pífia.

A cena final, com Odete viva, falando diretamente para a câmera, simboliza tudo que deu errado: a falta de sutileza, de verossimilhança e de respeito à obra original.


No meio de tantos desastres, Débora Bloch pode sair de cena com a cabeça eguida, por ter sustentado sua personagem com classe e vigor. 



A destruição da simbologia


Até a emblemática cena da “banana”, uma das mais geniais metáforas da impunidade na TV, foi destruída. No original, Marco Aurélio (Reginaldo Faria) foge do país rindo do sistema, erguendo o gesto que virou símbolo de deboche contra a corrupção. No remake, Alexandre Nero repete a epressão antes de ser preso. Um ato vazio, sem o peso simbólico, sem ironia, sem contexto.

Se Manuela Dias insistia em deixar Odete viva, poderia ter transferido a cena para ela. Seria coerente com a nova lógica e, de algum modo, fecharia o círculo com uma ponta de sarcasmo. Em vez disso, preferiu a obviedade, terminando com Odete discursando ao público num desfecho constrangedor, um eco do texto indolente que marcou toda a novela.

Nem nostalgia, nem elenco — o problema é conceitual

Não se trata de saudosismo, nem de comparar elencos. O fracasso é de conceito narrativo e direção de dramaturgia. Ao aceitar refilmar Vale Tudo, Manuela Dias assumiu o compromisso de dialogar com um monumento da televisão. Em vez disso, dilacerou o enredo, subutilizou personagens históricos e esvaziou o discurso moral que fazia da obra um espelho do país.

O que poderia ter sido um exercício de reinvenção se tornou um desserviço à memória do clássico. O resultado é uma novela fragmentada, incoerente, incapaz de comover ou provocar.


O remake de Vale Tudo (2025) ficará na história como um exemplo do que acontece quando falta visão, rigor e humildade diante do material original. Manuela Dias mostrou-se inexperiente e sem pulso para conduzir uma trama de tamanha complexidade moral. O desfecho foi constrangedor, e nem o espectador menos exigente conseguiu acreditar na sucessão de absurdos.

No fim, restou o paradoxo: uma novela que falava sobre ética, mas que traía o próprio enredo em cada decisão criativa. Se Vale Tudo perguntava “vale tudo para vencer?”, o remake de 2025 respondeu, tristemente, que, para Manuela Dias, pareceu valer.

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