Martin Scorsese completa 83 anos nesta segunda-feira, 17 de novembro, e chega à data da única maneira que saberia: inquieto, lúcido e ainda movido por uma fome artística que desafia o tempo. Poucos diretores atravessaram tantas fases do cinema, do auge da Nova Hollywood aos labirintos do streaming, sem perder a identidade, e menos ainda conseguiram, como ele, moldar gerações inteiras de espectadores e cineastas.
Scorsese sempre foi mais do que um cineasta, é um observador implacável da condição humana. Seus personagens, quase sempre quebrados por dentro, revelam as rachaduras de um país obcecado por poder, salvação e ascensão social. Em Taxi Driver, a solidão urbana; em Os Bons Companheiros, a sedução do crime; em A Última Tentação de Cristo, as dúvidas da fé; em O Lobo de Wall Street, o delírio do capitalismo. Nenhuma dessas histórias é confortável, e é justamente por isso que permanecem pulsando.

Cena do clássico Taxi Driver (Foto: Divulgação)
Aos 83 anos, Scorsese mantém o olhar de um jovem fascinado pelo cinema. Continua filmando como quem pesquisa, descobre e provoca. Uma de suas obras recentes, longe de qualquer zona de conforto, reforça essa vitalidade. O Irlandês revisitou a violência e o tempo com um rigor melancólico. Assassinos da Lua das Flores ampliou seu escopo histórico sem perder a intimidade das relações humanas. Em paralelo, o diretor segue como um dos maiores defensores da preservação cinematográfica no mundo, cuidando da memória para que o futuro não esqueça seu passado.
“Touro Indomável” (1980) permanece como uma das obras mais devastadoras e intensas já filmadas por Martin Scorsese. Um mergulho brutal na autodestruição de Jake LaMotta, interpretado por Robert De Niro em uma atuação que beira o inacreditável. A mistura de violência poética, fotografia em preto e branco arrebatadora e uma montagem que se tornou referência transformou o filme em um marco de como o cinema pode capturar, com a mesma força, tanto o espetáculo do ringue quanto o abismo emocional de um homem incapaz de lidar consigo mesmo.
Apesar de ser um dos filmes mais influentes do século, Scorsese veria seu reconhecimento pleno pelo Oscar chegar apenas décadas depois, em 2007, com Os Infiltrados. A vitória tardia (Melhor Direção por um projeto que dialoga com crime, paranoia e duplicidade) foi recebida quase como um ajuste de contas da Academia com um autor que, há anos, entregava algumas das obras mais impactantes da história do cinema. Foi menos um prêmio por um único filme e mais um gesto simbólico. A consagração oficial de um mestre cuja importância já era incontestável muito antes da estatueta dourada.
Celebrar o aniversário de Martin Scorsese é cultuar uma ideia de cinema que resiste às modas e aos algoritmos. Um cinema feito de carne e alma, de contradição e verdade, de personagens tão imperfeitos quanto nós. Aos 83, ele continua relevante e essencial.