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O final de Bem-vindos a Derry abre mais portas do que fecha — e isso é ótimo
Episódio entrega horror cósmico, referências profundas ao Kingverso e uma ambição rara na TV.
Por Redação Rádio VB
Publicado em 15/12/2025 12:39 • Atualizado 15/12/2025 12:44
Entretenimento
O ousado final prova que o terror de Stephen King ainda tem espaço para crescer (Foto: Divulgação)

O episódio final de Bem-vindos a Derry não busca simplesmente encerrar sua trama, ele explode o universo de It em todas as direções possíveis. A produção conecta filmes, mitologia literária e personagens clássicos de Stephen King em um clímax que desafia a lógica do tempo, o peso do trauma e a própria identidade de Pennywise. É o tipo de desfecho que transforma a série em algo maior do que um prelúdio e levanta uma pergunta inevitável: como a HBO ainda não confirmou a segunda temporada?

O desfecho da temporada funciona como uma síntese do projeto estético e narrativo de Bem-vindos a Derry, visando expandir a mitologia de It sem apenas repetir a fórmula dos filmes de 2017 e 2019. 

⚠️ SPOILERS PESADOS A SEGUIR ⚠️

A partir de agora, o texto destrincha revelações, conexões com o Kingverso e o desfecho da temporada. Leia por sua conta e risco.

Dirigido por Andy Muschietti e escrito por Jason Fuchs, “Winter Fire” aposta em um clímax caótico, cheio de frentes narrativas, como a névoa que engole a cidade, o sequestro de estudantes, o ritual com Maturin, a adaga cósmica, a intervenção espiritual de Dick Hallorann e o confronto com o aparato militar comandado por Shaw.


É um episódio denso, às vezes quase congestionado de ideias, mas coerente com a ambição da série de mostrar que o mal em Derry é físico, psicológico, cósmico e também institucional.


Aspectos técnicos: direção, atmosfera e “linguagem do medo”


Direção e ritmo


Muschietti dirige o episódio com uma pegada de “evento”. Movimento constante de câmera, cortes rápidos nas cenas de invasão à escola, e um crescendo visual no ritual final na madeira morta. 

Funciona muito bem quando ele aposta na tensão prolongada, com a névoa tomando Derry, o ginásio cheio de adolescentes hipnotizados, o suspense em torno da adaga. Em contrapartida, parte da batalha final se aproxima demais de um “set-piece blockbuster”, algo que parece meio bagunçado e menos elegante que o episódio do Black Spot, da semana anterior.


Fotografia, som e trilha


A fotografia explora bem o contraste entre o branco leitoso da névoa e os tons escuros de esgoto, madeira e fogo, reforçando a sensação de mundo distorcido, onde Derry já não obedece a regras naturais.


                                     Nevoeiro cobriu Derry em todo episódio final (Foto: Divulgação)

 A névoa, aliás, virou objeto de teoria de fã (“é The Mist?”), mas os próprios criadores já disseram que não. É apenas uma manifestação do poder crescente de Pennywise, e não uma conexão com outro livro do King. No entanto, a referência causou impacto positivo.

 

A trilha de Benjamin Wallfisch, que já vinha carregando a temporada, continua usando cordas e texturas eletrônicas para pontuar o terror mais psicológico do que “jump scare” puro. O desenho de som, gritos abafados na névoa, o zumbido das Luzes da Morte, sussurros na mente de Hallorann, dá profundidade à ideia de que Derry inteira é um organismo contaminado.


Conexões com os filmes e com o universo Stephen King

Aqui a série mostra por que existe.


Pennywise fora do tempo e a ligação com Richie Tozier


O grande “twist” conceitual é quando Pennywise percebe o tempo de forma não linear. Ele enxerga passado, presente e futuro da mesma forma, e, por isso, já sabe que um dia será derrotado pelo Clube dos Perdedores.

A revelação de que Marge será a mãe de Richie Tozier cria uma ponte direta com os filmes. It não está apenas atacando crianças aleatórias em 1962, mas mirando ancestralidade, tentando corrigir o futuro que já viu. Isso reconfigura o que vimos em It (2017) e It: Capítulo 2 (2019). As provocações e o foco em Richie ganham uma camada extra de sentido, como parte de uma guerra em ciclos.


Beverly Marsh, Mrs. Kersh e Juniper Hill


A cena pós-crédito é puro fan service bem encaixado. Quando a série avança para 1988, Ingrid Kersh surge internada em Juniper Hill e, em seguida, o primeiro encontro de Beverly Marsh com a verdadeira Mrs. Kersh, retomando diretamente o trauma explorado em Capítulo 2, com Sophia Lillis e Joan Gregson revivendo seus papéis. 

Isso não é apenas piscadela, é a série dizendo “essa velha bizarra que você viu no filme tem uma história longa e trágica ligada ao que aconteceu aqui”.

Dick Hallorann e O Iluminado


O arco de Dick Hallorann é talvez o elo mais sofisticado com O Iluminado, outro livro de King. A temporada já vinha explorando o “brilho” dele, mas no final o personagem atravessa um limite, pagando um preço psíquico alto para atuar como ponte entre planos e ajudar a conter Pennywise.

Essa versão de Hallorann parece encaminhá-lo para o homem exausto e marcado que é descoberto, anos depois, no universo de O Iluminado


Maturin, a adaga e o lado cósmico de King


A introdução de Maturin, a tartaruga cósmica que, nos livros, é o contraponto de It, leva a série de vez para a dimensão “macroverso Stephen King”. A adaga feita do mesmo material dos pilares que prendem Pennywise, o ritual nas raízes de Maturin e o sacrifício de Taniel colocam a batalha muito além do “monstro no esgoto”. 

Isso aproxima a série do tom mais cósmico e metafísico do romance It, algo que os filmes apenas sugeriam.


Leituras temáticas: mal cósmico x mal humano

Um acerto importante do final é o paralelo entre Pennywise e o General Shaw. Enquanto o palhaço encarna o mal absoluto, Shaw simboliza a arrogância humana que acredita poder instrumentalizar esse sentimento vil em nome de poder e controle. Obviamente, é destruído no processo.


O episódio também dobra a aposta na ideia de trauma comunitário. A névoa, o sequestro dos alunos, a violência no Black Spot no episódio 7, tudo reforça Derry como cidade cúmplice, que absorve e normaliza horrores em ciclos.


O final, com a família Hanlon assumindo o papel de vigias de Derry e Ingrid se transformando na figura que conhecemos como Mrs. Kersh, fecha um ciclo e abre outro. O mal não acaba, apenas entra em espera. 


Funciona como episódio final?

Em termos de clímax emocional, funciona muito bem:

  • O sacrifício de Taniel e a transformação de Leroy, que finalmente entrega a responsabilidade a Will sem tentar moldá-lo à própria dureza.

  • O espírito de Rich ajudando no momento decisivo, unindo luto, amizade e sobrenatural.

  • A prisão de Pennywise numa espécie de “gaiola de energia” que ecoa sua própria natureza, sem cair na falsa promessa de derrota definitiva. 

Em certos mometos, o episódio tropeça na quantidade de arcos que tenta resolver, como a ação militar, ritual cósmico, desenvolvimento de Hallorann, elo de pai e filho, mitologia do tempo não linear, fan service com Beverly, coda da família Hanlon… Tudo isso deixa a batalha final com aspecto meio “bagunçado” e inflado, mas “Winter Fire” entrega um final satisfatório e forte para a temporada.


Ligações com outras obras de King

Além das conexões mais óbvias com o próprio It, o episódio (e a temporada) conversam com:

  • O Iluminado – via Hallorann, seu “brilho” e a dimensão de sacrifício mental ligada ao uso do dom. 

  • O Aprendiz / Shawshank e outros dramas carcerários de King, de maneira mais sutil, na forma como o sistema militar e institucional é mostrado como ambiente de opressão e cegueira moral. (Aqui é mais uma inferência crítica, ancorada nas leituras temáticas da série.)

  • O próprio debate sobre O Nevoeiro é referenciado indiretamente, mas os criadores já deixaram claro que a névoa de Derry é “propriedade” de Pennywise, não crossover de multiverso.


Potencial para segunda temporada

Considerando:

  • a ambição de expandir a mitologia de It;

  • a qualidade da direção de Muschietti no final;

  • o bom uso de Hallorann, Maturin, Beverly e Mrs. Kersh para costurar o “Kingverso”;

  • e os tropeços pontuais de ritmo e excesso de subtramas,.

Criativamente, a série deixa pontas importantes para uma continuação:

  • deixa ganchos claros (outros ciclos de It, vigília dos Hanlon, Ingrid/Mrs. Kersh, a própria lógica temporal de Pennywise);

  • foi pensada pelos criadores como uma história em três eras, o que sugere material elaborado além da 1ª temporada; 

  • e, até aqui, mostrou audiência forte para os padrões da HBO. 

Oficialmente, a HBO ainda não confirmou uma segunda temporada, mas o próprio final funciona como prova de conceito. O universo de Derry aguenta novas histórias sem depender apenas do Clube dos Perdedores clássico.


Nota geral 9,0/10 ⭐⭐⭐⭐

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