Em 2006, Crash – No Limite surpreendeu o mundo ao conquistar o Oscar de Melhor Filme. A vitória não foi apenas inesperada — foi controversa. Superando O Segredo de Brokeback Mountain, favorito declarado da crítica e do circuito de premiações, Crash emergiu como uma obra que parecia traduzir o espírito do seu tempo: um retrato entrelaçado de personagens enfrentando as tensões raciais, morais e sociais da Los Angeles contemporânea.
Paul Haggis, roteirista de Menina de Ouro, entregava então sua estreia como diretor, apostando em uma estrutura de narrativas múltiplas que se cruzam — um mosaico de encontros e choques. Policiais, imigrantes, famílias ricas e pobres, todos atravessados por julgamentos e preconceitos. O racismo, a desconfiança e a fragilidade das relações humanas eram expostos em cenas de conflito, revelação e redenção. Havia peso temático, havia intenção, havia indignação.
E, no entanto, o tempo não foi tão gentil com Crash.
Aos olhos contemporâneos, o filme passou a ser lido como um exercício didático sobre relações raciais, no qual os dilemas morais são conduzidos com mão pesada e reviravoltas programadas. Os personagens tropeçam em suas próprias contradições, mas o fazem de maneira tão mecânica que muitos críticos passaram a enxergar mais fórmula que profundidade.
A estrutura fragmentada — que em 2004 parecia ousada — perdeu o frescor diante de outras narrativas coletivas mais refinadas. O roteiro, premiado na época por seu "realismo corajoso", passou a ser visto como um recorte artificial da realidade, em que todas as camadas sociais e étnicas funcionam como peças de um tabuleiro moral.
Sua vitória no Oscar é, até hoje, motivo de debate. Não apenas por ter vencido Brokeback Mountain, Munique, e até mesmo Capote, mas por representar uma escolha segura, convencional, num ano em que o cinema ensaiava ousadias mais duradouras. Crash foi lido como um voto político da Academia: um filme sobre racismo, feito por brancos, com um elenco multicultural, que entregava a crítica social de forma palatável. O tempo, porém, cobrou profundidade.
Atualmente, o filme quase não aparece em listas de grandes obras do século XXI. Pouco discutido, raramente revisitável, Crash habita uma zona peculiar do cinema premiado: a de obras que pareciam urgentes em seu lançamento, mas que envelheceram sem deixar legado.
Talvez Crash seja, em si, um retrato do próprio Oscar — uma cerimônia em que o mérito artístico nem sempre acompanha o impacto histórico. E talvez seja esse o limite ao qual o título, inadvertidamente, se referia.
Para assistir ou revisitar Crash - No Limite, o filme está disponível apenas no Telecine ou para aluguel por R$ 6,90 na Prime Vídeo.