Revisitamos "Fruto Proibido", álbum histórico de Rita Lee que celebra 50 anos
Lançado em parceria com a banda Tutti Frutti, disco é um gesto de autonomia e invenção que ecoa para além da música.
Por LockDJ
Publicado em 30/06/2025 10:24 • Atualizado 30/06/2025 10:25
Música
Após 50 anos, Fruto Proibido é uma cartografia do corpo e da cidade (Foto: Divulgação)

Lançado em 30 de junho de 1975, há exatos 50 anos, Fruto Proibido marca um momento de inflexão estética e simbólica na trajetória de Rita Lee. É seu quarto álbum solo e o segundo em parceria com a banda Tutti Frutti, mas acima de tudo, é um gesto de autonomia e invenção que ecoa para além da música.

 

Em meio à repressão do regime militar e ao esgotamento das fórmulas tropicalistas, Rita ensaia um deslocamento: recusa o papel de musa lisérgica dos Mutantes e assume a voz de quem compõe, interpreta e encena uma persona pública com controle total da própria narrativa.

 

Fruto Proibido é uma cartografia do corpo e da cidade, da libido e da política, da crônica urbana e da mitologia do rock. Sua faixa inaugural, “Dançar pra Não Dançar”, já sugere o conflito entre a mobilidade do desejo e as imposições de uma estrutura social opressora. Em “Agora Só Falta Você”, a canção-tese se impõe como crônica do cotidiano feminino atravessado por desejos que não cabem mais no lar. O sujeito lírico feminino aqui não se submete à idealização romântica: negocia, ironiza, exige presença.

 

 

O disco, lançado pela Som Livre, inscreve-se na genealogia dos álbuns que fizeram da década de 1970 um território de experimentação sonora e performática. O diálogo com o rock progressivo, o glam e o groove — em faixas como “Esse Tal de Roque Enrow” — coloca Rita em sintonia com um espírito de época que também habitava David Bowie, Lou Reed e Secos & Molhados.

 

 

Mas é com “Ovelha Negra” que o disco se consolida como ritual de cisão e renascimento. A filha expulsa do paraíso paterno — seja ele familiar, musical ou simbólico — canta sua exclusão como fundação de uma nova identidade.

 

A metáfora bíblica do fruto proibido não é gratuita: ela carrega em si a ideia de transgressão que inaugura uma outra forma de saber. Ao morder o fruto, a mulher que antes era objeto da canção se torna sua autora. Não por acaso, o álbum permanece como um dos pilares da presença feminina na música popular brasileira. Não apenas por suas letras e sonoridade, mas pela forma como Rita encarna um ethos libertário, que tensiona o conservadorismo da época e antecipa discussões de gênero, sexualidade e autonomia que viriam a ganhar corpo décadas depois.

 

Se Caetano Veloso, em Araçá Azul (1973), explorava os limites da linguagem e da escuta, e Raul Seixas encenava um misticismo beatnik em Gita (1974), Rita Lee propõe uma síntese entre o pop, o rock e a crônica cotidiana. Não como apaziguamento, mas como provocação estética. O resultado é um álbum que não se esgota, mas se reatualiza a cada escuta — como toda obra que se recusa a caber em uma época só.

 

Em Fruto Proibido, Rita Lee não apenas canta: ela escreve uma nova gramática para o feminino na música brasileira, inscrevendo-se no cânone por meio da recusa a ele.

 

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