A elegia sonora da Legião Urbana em uma estação além do fim
Último ato em Brasília, "Uma Outra Estação" marca as vozes que ficaram, após 28 anos.
Por LockDJ
Publicado em 18/07/2025 19:25 • Atualizado 18/07/2025 19:25
Música
Capa, remete a Brasília, cidade-utopia e distopia onde tudo começou (Foto: Divulgação)

“Ouça este disco da primeira à última faixa. Esta é a história de nossas vidas,”, está escrito no encarte do álbum, como um epitáfio. 

 

Lançado em 18 de julho de 1997, Uma Outra Estação é o último álbum de estúdio da Legião Urbana — um rito de passagem tardio, um adeus curvo, melancólico e sem pretensões messiânicas, mas carregado de silêncios eloquentes. A morte de Renato Russo, ocorrida nove meses antes do lançamento, marcou o fim da banda e selou, também, o esgotamento de uma era. Ao reunir sobras das sessões de A Tempestade (1996), o disco se estrutura como epílogo e testamento, em que cada faixa funciona como retalho inacabado de uma tapeçaria emocional que insiste em não se desfazer.

 

Uma Outra Estação soa como um fantasma doméstico: está ali, no mesmo quarto, usando os mesmos móveis, mas ocupando o ar de outra forma. Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá assumem a missão quase arqueológica de concluir o disco, montando o quebra-cabeça com a ajuda de Tom Capone, em um processo mais de escuta e memória do que de invenção. O resultado é um álbum que mais evoca do que afirma, mais lamenta do que proclama.

 

“As Flores do Mal” é o primeiro respiro: não à toa inspirada em Baudelaire, costura o desencanto lírico à pulsação política que sempre atravessou a banda.

 

 

“Antes das Seis” traz um frescor agridoce que, sem saber, ecoa como uma das últimas confissões de Russo. Já “Marcianos Invadem a Terra”, resgatada da fase Trovador Solitário, é uma cápsula de tempo com humor e ironia mordaz, prova de que o delírio também foi trincheira.

 

 

Há ausências dolorosas. Em “Sagrado Coração”, a letra aparece no encarte, mas a voz não — Renato não chegou a gravá-la. O silêncio, aqui, é mais eloquente do que qualquer harmonia vocal. Como uma oração interrompida. A imagem da capa, desenhada por Bonfá, remete a Brasília, cidade-utopia e distopia onde tudo começou. E a frase em latim que volta a estampar o encarte — Urbana Legio Omnia Vincit — soa mais como elegia do que proclamação.

 

 

Lançado pela EMI, o disco vendeu mais de 250 mil cópias e, mesmo sendo um dos menos comerciais da banda, atingiu status de platina dupla. Mas sua importância não está nos números: está na cicatriz que ele encarna. Uma Outra Estação não é um disco de fim. É um álbum de passagem. Uma espécie de estação-fantasma, onde o trem não chega mais, mas onde ainda se escutam ecos das conversas na plataforma.

 

A Legião Urbana sabia — talvez desde o início — que não se faz revolução sem poesia, nem poesia sem dor. E neste último aceno, ofereceu um álbum que não se fecha: pulsa, reaparece, e resiste à obsolescência dos calendários.

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