Há 35 anos, em um 1990 saturado de sintetizadores tardios, calças de cintura alta e o embrião do grunge já respirando pelas garagens de Seattle, Iggy Pop, o padrinho do punk, lançava "Candy", um dueto que ninguém esperava — e que justamente por isso, funciona. No segundo single de Brick by Brick, seu nono disco solo, Iggy trocou o grito cru por uma melodia quase doce, conduzida pela química vocal com Kate Pierson, da banda mais lisérgica da new wave, o B-52’s.
Para quem vinha da escola do “Raw Power”, a faixa soava quase como um delírio pop. Mas havia ali, por trás dos acordes fáceis e da harmonia radiofônica, algo que ainda sangrava. "Candy" não é um amor de verão: é uma lembrança que arde, um retrato desbotado de um romance que nunca foi inteiramente esquecido. Iggy canta com o peso de quem viveu demais e perdeu o suficiente para não se iludir. Kate, por outro lado, surge como uma voz-fantasma — não etérea, mas firme, quase cínica. Uma conversa atravessada pelo tempo.
A música foi inicialmente escrita para Chrissie Hynde, vocalista do Pretenders. Ela recusou, não se sabe ao certo por quê. Talvez a doçura implícita em "Candy" exigisse uma entrega emocional que não estava ao alcance na época. A ironia: Hynde sempre declarou Iggy como seu ídolo máximo. O papel acabou com Pierson, e o resultado é uma das raras vezes em que o punk se rende ao pop sem se trair. Iggy escreveu: “Eu fiz uma boa canção pop. Só isso.” Mas era mais do que se podia imaginar.

O sucesso foi imediato. Pela primeira (e única) vez, Iggy Pop entrou no top 40 norte-americano. Em países como Austrália, Bélgica e Holanda, "Candy" bateu no top 10 com facilidade. Para um artista que sempre orbitou as margens — entre Detroit e Berlim, entre os Stooges e o vazio — aquilo era um pequeno milagre. Um milagre desenhado por Charles Burns, cartunista que criou a capa do single, misturando o grotesco e o poético como só ele sabe.
Com o tempo, "Candy" foi ganhando camadas. Reapareceu em coletâneas como Nude & Rude (1996) e A Million in Prizes (2005), ocupando o espaço de um ponto fora da curva, uma concessão emocional numa discografia marcada pelo confronto. Em 2008, foi eleita o 7º melhor dueto de todos os tempos pelo Spinner.com — e não sem razão. A beleza de "Candy" está na contradição: uma canção pop, construída por um ícone do desajuste, sobre um amor impossível de esquecer. Como uma cicatriz que brilha à luz do neon.
E talvez seja isso que a torna eterna: a capacidade de ser suave sem perder a espinha. Punk na alma, pop na forma. Uma carta de amor que sangra. Uma doçura com gosto de ferrugem.