“Viva Cazuza”: uma noite em que o tempo não parou
Ney Matogrosso, Sandra de Sá, George Israel e outros nomes de peso se encontraram em uma noite de rebeldia poética.
Por LockDJ
Publicado em 15/07/2025 10:18 • Atualizado 15/07/2025 10:19
Música
Espetáculo Viva Cazuza reviveu grandes clássicos de um exagerado verdadeiro.

Nos tempos em que a memória parece cada vez mais frágil, o Circo Voador — templo sagrado da música brasileira — ofereceu ao Rio de Janeiro uma noite em que o tempo, simplesmente, se recusou a passar. O espetáculo Viva Cazuza, realizado em parceria com a Rolling Stone Brasil, não foi apenas um tributo. Foi um reencontro com a rebeldia poética, com o lirismo urbano, com a fúria doce e desesperada que fez de Cazuza um dos artistas mais incômodos e necessários do país.

 

No centro do palco, a banda Os Cajueiros, formada por músicos que conviveram com Cazuza, reencarnou sua música com autenticidade visceral. Guto Goffi (Barão Vermelho), George Israel (Kid Abelha), Arnaldo Brandão (Hanói Hanói), Nilo Romero, Luce Dioliveira, Léo Israel e Andre “Polvo” formam não uma banda de apoio, mas uma constelação afetiva de quem viveu por dentro o furacão Cazuza — e ainda carrega suas brasas no olhar.

 

Mas foi Ney Matogrosso quem roubou o fôlego da plateia. Em uma de suas primeiras aparições desde o sucesso do filme Homem com H (Netflix), Ney surgiu como uma entidade rara, capaz de cantar “Poema” como se estivesse rezando por dentro, como se a palavra “beleza” ainda fizesse sentido.

 

                                                                Poema - ao vivo Em Belo Horizonte / 1999



Depois, emprestou sua teatralidade inquieta a “Balada do Louco”, dos Mutantes, e fechou com “Pro Dia Nascer Feliz”, recriando um hino que parece atravessar gerações como uma bandeira rasgada e viva.

 

Sandra Sá também subiu ao palco para cantar “Blues da Piedade”, “O Poeta Está Vivo” e “Olhos Coloridos”. Foi como se a alma negra e popular de Cazuza encontrasse eco em sua força. Com ela, “Brasil” ganhou nova camada de indignação — agora sob o peso de um país que insiste em repetir velhos erros.

 

O setlist foi uma viagem emocional por várias fases da obra de Cazuza. De “Maior Abandonado” a “Exagerado”, de “Codinome Beija-Flor” a “Ideologia”, passando por “Nosso Amor a Gente Inventa” e “O Tempo Não Para” — cada canção funcionou como uma página viva da história recente do Brasil. Era como se a poesia urbana de Cazuza, tão marcada por contradições e verdades incômodas, ganhasse corpo outra vez.

 

O público — uma mistura de gerações, idades e afetos — não apenas assistiu: viveu o show. E talvez essa seja a maior prova de que Cazuza ainda está entre nós. Porque há artistas que morrem, mas há vozes que atravessam o tempo como cicatriz e insígnia. A de Cazuza é uma delas.

 

No fim, com “Vida Louca”, a catarse foi coletiva. O Circo Voador, como um velho coração suburbano, pulsou em uníssono. E Cazuza, onde quer que esteja, provavelmente sorriu — com aquele meio riso debochado de quem sabia desde sempre onde sua música poderia chegar.

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