Às vezes a literatura escorrega pelas páginas e acaba cantando. Outras vezes, a música sussurra frases antigas como se fossem novas. Em Amor I Love You, Marisa Monte e Arnaldo Antunes fazem isso: colocam um clássico no fone de ouvido, e o que era papel vira som.
No meio da melodia delicada, surge uma voz que lê:
"No seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido, que se estira num banho tépido".
E então, como quem encontra uma carta esquecida dentro de um livro antigo, ouvimos:
"Onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase".
Essa fala não nasceu no estúdio. Vem de muito antes, de 1878, de O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Um romance no qual Luísa, personagem principal, se deixa envolver por cartas, desejos e livros — muitos livros. Ela vive entre capítulos de paixões idealizadas, até que um primo reaparece e faz da fantasia um enredo perigoso.
O trecho recitado por Arnaldo é uma transcrição quase exata do que Luísa lê. O mesmo encantamento que ela sentia pelos seus romances favoritos aparece agora em forma de música, ecoando em quem escuta. É como se o livro continuasse sua história fora das livrarias, pegando carona num violão.
Marisa canta com leveza. Luísa lia com intensidade. As duas, separadas por mais de um século, dividem o mesmo impulso: a entrega àquilo que toca, que transforma, que deixa sem chão — seja um homem, um verso ou uma canção.
No fim, Amor I Love You é isso. Um cruzamento entre a música e a literatura, em que coração fala duas línguas, e o amor, talvez, nenhuma. Ou todas.