A música “1º de Julho” nasceu não como celebração, mas como registro de um momento de isolamento, expectativa e memória de Renato Russo. Composta durante o processo de gravação do álbum A Tempestade ou O Livro dos Dias, a faixa é uma espécie de autorretrato cifrado, em que a passagem do tempo é mediada por cartas não enviadas, ventos do sul e reflexões sobre o que permanece.
A música foi lançada oficialmente em setembro de 1996, dentro de um disco marcado pela fragilidade física e emocional do autor, gravado em partes com Renato afastado do estúdio e vocalmente mais contido. Apesar disso, “1º de Julho” se destacou pela densidade poética e pelos acenos discretos à finitude.
Cinco anos depois, a canção ganhou nova forma na voz de Cássia Eller, durante o Acústico MTV, lançado em 2001. Sem perder o lastro existencial da original, Cássia reinterpreta a faixa com um timbre mais direto, como quem atualiza a carta esquecida e a lê em voz alta para uma multidão. No arranjo, as cordas que substituem os sintetizadores e guitarras da versão da Legião criam uma ambiência mais terrosa, mas não menos cortante.
Naquele ano, Acústico MTV: Cássia Eller se tornaria um dos discos mais populares do Brasil, impulsionado por versões de músicas de Nando, Cazuza, Beatles, Chico Buarque e Renato Russo — uma cartografia afetiva da canção brasileira por meio de reinterpretações. “1º de Julho”, dentro desse conjunto, opera como uma pausa ou uma dobra do tempo. Ao cantar “Ninguém sabia e ninguém viu / Que eu estava a teu lado então”, Cássia não apenas homenageia Renato, mas reativa um tipo de memória que se recusa a ser exclusivamente nostálgica.
Curiosamente, Acústico MTV foi também o último disco lançado por Cássia em vida. Ela morreria seis meses depois, em dezembro de 2001, aos 39 anos. Nesse sentido, sua versão de “1º de Julho” acaba sendo, involuntariamente, uma espécie de ritual espelhado: duas vozes que, de formas diferentes, cantaram a passagem do tempo enquanto a travessavam.
No calendário, 1º de julho passou a carregar mais do que aniversários. Tornou-se o título de uma canção que sobreviveu ao desaparecimento de seus dois intérpretes mais marcantes — e que, talvez por isso, continue sendo cantada não para celebrar o que passou, mas para lembrar que ainda há o que esperar.