O single “Sugar in the Tank” abre com um riff solar que remete à era Tom Petty & the Heartbreakers, mas a letra destila ironia sobre sonhos adulterados na estrada — metáfora perfeita para duas artistas queer que enfrentam trincheiras duplas no Sul dos EUA. No refrão, o backing vocal de Scott harmoniza com a voz cristalina de Baker, como se Gram Parsons e Emmylou ganhassem uma atualização queer em Dolby Atmos.
É o single mais direto e contagiante do disco. Rock rural, quase radiofônico, mas com a acidez poética que ambas as artistas cultivam. A canção parece subverter o gesto de abastecer — aqui, o combustível é doce, mas sabotado. A melodia evoca o alt-country dos anos 90 com roupagem confessional.
Outras faixas reafirmam o alcance do disco:
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“Dirt”
Faixa de abertura que já demarca o tom do álbum: harmonia vocal crua, guitarras arranhadas e uma lírica que remete à matéria e ao luto. É como se o sul profundo ganhasse uma lente íntima e existencialista. Julien e Torres caminham juntas entre o peso da terra e a leveza da memória.
“Bottom of a Bottle”
Um clássico instantâneo de bar vazio às 3 da manhã. A estrutura simples sustenta versos sobre escapismo, recaídas e tentativa de recomeço. É aqui que o disco soa mais honesto, vulnerável e melodicamente próximo de nomes como Lucinda Williams ou Jason Molina.
“Tape Runs Out”
Quase um interlúdio emocional, essa faixa invoca a ideia de fim — de um relacionamento, de um ciclo, de uma gravação. Sintetizadores discretos e harmonias vocais geram uma atmosfera suspensa, melancólica, em que o country cede espaço ao minimalismo alternativo.
“Goodbye Baby”
Última faixa do álbum, funciona como uma carta não enviada. A voz de Torres parece suspensa no tempo, enquanto Julien insinua com acordes que a estrada continua. Encerramento ideal para um disco sobre transições, paisagens e identidade: o adeus é sussurrado, mas ressoa longe
A produção assinada pelo duo — com toques de John Congleton — mantém texturas cruas. Bateria é seca, quase demo, enquanto lap-steel e dobro entram pontualmente, nunca para embelezar demais. A mix privilegia espaço: cada palavra de Baker e Scott ecoa como se fosse pronunciada num celeiro vazio.
Há certa intencionalidade didática: mostrar que a linhagem-country já foi mais fluida do que a versão plastificada de Nashville permite. Ao reivindicarem lugar como cantoras queer, as duas conectam tradição e transgressão sem cair no manifesto panfletário. Fazem isso sobretudo compondo refrões que qualquer truck-stop jukebox entenderia — exatamente a lição de Willie Nelson, Dolly Parton ou Kacey Musgraves em seus momentos de ruptura.
Send a Prayer My Way não renega o pathos confessional dos discos solo de Baker nem a pegada art-rock de Torres; apenas desloca essas marcas para uma moldura de twang. É uma reverência crítica: reconhece fantasmas (Johnny Cash, Lucinda Williams) e ao mesmo tempo abre espaço para outras narrativas marginalizadas. Se o country é, por definição, música de estrada, Baker e Scott ampliam a pista com novos acostamentos identitários — sem perder o cheiro de gasolina, grama cortada e cerveja morna.
⭐⭐⭐⭐ Nota: 9/10