Cinco séculos depois de Leonardo da Vinci traçar, com a precisão de um anatomista e a poesia de um humanista, o famoso círculo-quadrado do Homem Vitruviano, surge um novo decifrador de enigmas: o dentista londrino Rory Mac Sweeney. Seu artigo na Journal of Mathematics and the Arts aponta para um triângulo equilátero — o mesmo de Bonwill conhecido na odontologia — como chave geométrica que explicaria a razão 1,64 entre quadrado e círculo. Pode parecer detalhe acadêmico, mas a notícia ressoa como um eco cult de três letras: D-N-A. Não o ácido desoxirribonucleico, mas Da Vinci e Brown: o imaginário ativado em O Código da Vinci (livro, 2003) e no blockbuster dirigido por Ron Howard (2006).
Da ficção à ciência: da flor-de-lis ao triângulo
No romance de Dan Brown, o simbologista Robert Langdon decifra pistas escondidas em pinturas de Da Vinci para chegar ao Santo Graal — um thriller pop que mixa Maria Madalena, Priorado de Sião e um sem-fim de charadas pseudo-históricas.

O filme, com Tom Hanks e Audrey Tautou, amplificou o frenesi em torno de códigos ocultos, reforçando a natureza “criptográfica” do mestre renascentista.

Mac Sweeney não persegue o sagrado feminino nem sociedades secretas; ele vasculha proporções cranio-mandibulares. Ainda assim, os eixos se tocam: ambos colocam o Homem Vitruviano no centro de um enigma, ambos traduzem Leonardo para um público sedento por mistérios, ambos operam numa zona híbrida entre arte, ciência e mito.
Códigos, fascínio e cultura pop
Por que continuamos obcecados por possíveis mensagens secretas em obras renascentistas? Em parte porque Leonardo foi, de fato, um “autor trans-mídia” avant la lettre: pintor, engenheiro, anatomista, dramaturgo de autômatos. Suas páginas em espelho viraram sinônimo de clue antes mesmo da palavra existir na cultura de massa. Brown apenas condensou — e hollywoodizou — esse magnetismo.
Ao revelar que o triângulo dentário de Bonwill pode reger as proporções vitruvianas, Mac Sweeney devolve a obra ao laboratório, onde Da Vinci se sentiria mais em casa que em templos conspiratórios. Se em O Código da Vinci o segredo era teológico, aqui é biomecânico: harmonia de mandíbula, eficiência estrutural, 1,64 tão próximo do phi quanto um compasso pode sonhar.
O efeito Dan Brown revisitado
Vale lembrar que o romance foi ao mesmo tempo best-seller e alvo de críticas acadêmicas — justamente por flertar com um revisionismo histórico adocicado. Porém, teve um mérito: reacendeu o interesse popular pela arte renascentista, lotou filas no Louvre, transformou símbolos esotéricos em hashtags. Agora, em 2025, o dentista-pesquisador prolonga esse ciclo, mas substitui mitologia pelo rigor de revista científica.
O código continua aberto
Seja guiado por Langdon, por Leonardo ou por Mac Sweeney, o jogo segue o mesmo: procurar ordem onde o olhar comum vê apenas contorno. O Homem Vitruviano novamente assume o papel de Roseta — só que, em vez de revelar um Graal escondido, ele nos lembra que arte e ciência eram, na Renascença, as duas faces da mesma moeda. E que, talvez, o verdadeiro “código” de Da Vinci seja exatamente isso: a capacidade de nos fazer revisitar, a cada geração, o triângulo invisível que faz imaginação, matemática e desejo se encontrarem.
O filme o Código da Vinci está disponível para ser visto ou revisto na plataforma MAX.