Entre Doris Lessing e Game of Thrones: o indie existencial do James
Indie antes de ser hype, a banda apresenta uma trilha sonora dos que ainda não desistiram (com estilo).
Por LockDJ
Publicado em 07/04/2025 10:38 • Atualizado 07/04/2025 10:38
Música
A Laid, a Sit Down, a revolução disfarçada que saiu dos porões de Manchester

Se você viveu os anos 90 embalado por um walkman surrado, camiseta oversized e dramas existenciais com trilha sonora própria, talvez não precise de apresentações. Mas se você ainda não foi apresentado a James — a banda, não o Franco ou o Bond — senta aí. Literalmente. Porque “Sit Down”, o hino indie-melancólico do grupo, é só a porta de entrada para um universo de refrões catárticos, crises poéticas e cabelos desgrenhados que definem a alma mancuniana.

 

Formada em 1981 em Manchester, essa banda que leva nome de protagonista de drama britânico já começou no radar certo: abrindo para o The Smiths numa turnê de primavera em 1985. E aí você já vê que o DNA vem carregado de melancolia, lirismo e uma pitada de arrogância artística que só o Morrissey saberia aprovar com um meio sorriso torto.

 

A crítica — sempre pronta pra arrastar quem ousa se parecer com o sagrado — chegou a chamar o James de “Smiths de segunda linha”. O que, convenhamos, é uma daquelas críticas que envelhecem tão mal quanto um tweet de 2009. Porque se o Smiths foi o cometa que incendiou o céu do indie nos anos 80 e sumiu em 1987, o James foi a constelação persistente que continuou brilhando — e vendendo. Mais de 25 milhões de cópias mundo afora, diga-se de passagem.

 

Entre altos e baixos, flertes com o estrelato e mergulhos na obscuridade, o James emplacou hinos atemporais: “Laid” (impossível ouvir e não se imaginar num filme teen alternativo com chuva e um beijo maluco), “Born of Frustration” (que é praticamente um grito existencial com sotaque britânico), “Say Something”, “Sometimes”, “Lose Control” — a lista é longa e intensa. E mesmo no século XXI, eles deram aquele tapa de classe com “Getting Away With It (All Messed Up)”, trilha ideal pra quem vive fingindo que tá tudo bem.

 

E se você acha que isso é papo de quarentão nostálgico, vale lembrar: a emblemática “Sit Down” ressurgiu na trilha sonora da 7ª temporada de Game of Thrones. Porque, claro, o drama de Westeros precisava da vibração agridoce de Tim Booth e companhia. A canção, originalmente com mais de sete minutos de pura epifania melódica, teve que ser compactada pra tocar nas rádios, mas nunca perdeu seu lugar nos corações desajustados — ou nas festas universitárias com luz baixa e cerveja quente.

 

A letra de “Sit Down”, aliás, homenageia ninguém menos que Doris Lessing e Patti Smith — duas referências que explicam muito da alma filosófico-punk da banda. Não é só música: é uma conversa existencial à beira do caos.

 

O mais curioso? O James, mesmo com toda essa jornada, nunca foi exatamente o mainstream. Chegaram ao topo das paradas britânicas com uma coletânea — “The Best Of”, em 1998 — o que é, por si só, bem simbólico. O reconhecimento vem, mas vem com o tempo. Como quem demora pra entender aquele filme do David Lynch, mas quando entende, não esquece mais.

 

E hoje? Eles continuam firmes, flertando com o eterno retorno das bandas que nunca saem de moda porque nunca dependeram dela. Inspiraram até James Franco, que com seu projeto musical Daddy, lançou o álbum Let Me Get What I Want — homenagem direta ao universo dos Smiths e, por tabela, aos órfãos de Manchester como o próprio James.

 

No fim das contas, chamar o James de “próximo Smiths” foi reducionismo. Eles são o que o Smiths não teve tempo (ou paciência) de ser: consistência, vulnerabilidade crua e resistência artística. Um convite à introspecção dançante. Um grupo que te diz, com gentileza e ironia: senta aí, respira, e sente essa fase. Vai passar. Mas ouve esse som enquanto isso.

 

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