Era 3 de maio de 2017 quando O Rappa anunciou que encerraria as atividades após a turnê derradeira. Para muitos, foi o fim de uma era. Mas, para quem acompanhou a trajetória da banda desde os becos sonoros dos anos 90, era apenas o fechamento simbólico de um ciclo que já havia cravado suas ranhuras nas camadas mais profundas da música brasileira.
O Rappa surgiu em 1993 como quem emerge do caos — uma mistura incandescente de rock, reggae, rap, dub e beats urbanos. Mas mais do que uma banda, O Rappa era um radar de ruído social, uma espécie de altifalante daquilo que as antenas do pop mainstream preferiam ignorar. Com letras que oscilavam entre a poesia marginal e a denúncia crua, a banda ganhou relevância por traduzir a tensão do país em guitarras distorcidas, baixos pulsantes e batidas graves como sirenes.
Nos anos 90, enquanto o Brasil se dividia entre axé, sertanejo romântico e os últimos suspiros do grunge, O Rappa cravou espaço com Rappa Mundi (1996) — um disco que é, até hoje, quase um tratado sonoro das grandes cidades. Faixas como "Pescador de Ilusões", "Miséria S.A." e "Ilê Ayê" não apenas grudaram nos ouvidos; elas invadiram o inconsciente coletivo como hinos de uma juventude cansada de paisagens urbanas dilaceradas e de políticas públicas ausentes.
O vocal de Marcelo Yuka — mais tarde, Falcão — era mais que voz: era manifesto. E se o tom era grave, era porque falava de temas sérios: violência policial, racismo estrutural, desigualdade, abandono. A sonoridade, por vezes claustrofóbica, parecia gravada com paredes de concreto ao redor. Mas havia também luz, como em "Lado B Lado A" (1999), disco seminal, que fez da dor um combustível para esperança crítica.
Na contramão de bandas que falavam de amor ou festa, O Rappa falava de sobrevivência. Era música para ouvir com os olhos abertos. Sua estética — videoclipes sem glamour, capas escuras, samplers de rua — sempre refletiu essa lógica marginal. Nada era acidental. Tudo tinha carga.
O fim oficial em 2017 não apagou o legado. Foi só um sussurro final de uma discografia que segue reverberando nas caixas de som periféricas, nos rolês alternativos, nos playlists de quem ainda acredita que música também pode ser arma.
Porque O Rappa nunca foi só banda. Foi grito. Foi rua. Foi rachadura entre os blocos do concreto. E nesse vácuo que deixaram, ainda ecoa uma pergunta urgente: quem vai cantar o agora?